terça-feira, 14 de outubro de 2014

FAMÍLIA NO ANTIGO ISRAEL



RESUMO
Apesar dos filhos receberem o seu nome pela mãe, em algum momento da história de israel, na verdade, a sociedade era patriarcal. As mulheres eram consideradas inferiores, mas às mães cabia a educação dos filhos. O homem casava com diversas esposas além de Possuir concubinas. Os filhos  eram considerados bênçãos. Aos pais era confiada a tarefa de ensinar a tradição religiosa e a profissão aos filhos homens.
Palavras-chave: Israel; filhos; familia.

1 INTRODUÇÃO
            Para nos localizarmos corretamente no tema da família no Antigo Testamento, temos que considerar alguns aspectos que são fundamentais nesta transposição cultural e histórica. Uma destas “distâncias” se refere ao contexto histórico onde Israel estava inserido. Um outro elemento é o fato de que o Antigo Testamento é um conjunto literário escrito numa larga margem de tempo, o que determina diferentes modos de vida familiar.
Por outro lado, estamos tecendo algumas considerações, apenas. Não é nossa pretensão aprofundar demais o assunto, mesmo porque dentro da linha editorial desta publicação, isto ficaria pedante. Um outro elemento que precisa ser levado em consideração ainda, é o limite de espaço. Para se aprofundar este tipo de tema seria necessário construir uma dissertação bastante volumosa. Contudo, o propósito desta publicação é provocar o leitor dentro de alguns temas e dentro deste propósito apresentar a nossa “provocação”.
2 PATRIARCADO OU MATRIARCADO
            Muitos estudos realizados sobre a vida social do israelita primitivo, 1800-1030 a.C. dão-nos conta que há fortes indícios da presença do matriarcado na sociedade de Israel. Se levarmos em consideração textos como Gn 29.31-35; 30.18-21; 35.16-18a, percebemos que a tarefa de nominar os filhos cabia à mãe.
Vejamos que a diferença entre o patriarcado e o matriarcado não se estabelece pelo exercício do poder no seio da família, mas pelo membro do casal por onde passava a hereditariedade. Povos primitivos contemporâneos de Israel, que adotavam o matriarcado, consideravam “parentes” os familiares da mãe. É bem verdade que nas sociedades primitivas, o matriarcado era uma característica de civilizações de pequenas lavouras enquanto que o patriarcado era característico das civilizações pastoris.
A tarefa de dar nomes aos(às) filhos(as), juntamente com outros detalhes que não cabem aqui esmiuçar, é um indício muito forte de que em Israel predominava o matriarcado, pelo menos nalgum período de sua história. (DE VAUX, 1964, p.49). Contudo, não podemos fechar os olhos para o conceito de  bet’ab (a casa patena) nem para as imensas listas genealógicas, cuja linha de sucessão passava pelo pai e rara-mente incluía as mães.
3 AS FAMÍLIAS DE ISRAEL
             Temos que considerar que o termo bet’ab, do hebraico, se refere a um tipo de família que envolve muito mais gente do que estamos [Edição original página 11/12] acostumados a pensar. Estão incluídos nesta casa paterna, os filhos casados e suas esposas e filhos(as) bem como outros tipos de “agregados” como forasteiros que se achegavam em busca de proteção. Há momentos em que o Antigo Testa-mento admite que nesta bet’ab está incluído, também, um grupo bem maior de pessoas que podemos chamar de  mispahah. Em outros textos bet’ab chega a se referir a todo Israel.
Quando Neemias (7.4b) utiliza a expressão, “e as casas não estavam edificadas ainda” se referindo às famílias que ainda não estavam constituídas. A família gozava de um aporte de proteção dentro de um contexto so-cial maior, às vezes chamada de clã (mispahah- grande família). De forma especial no período chamado de “assentamento” na Palestina, a base social era a família, cujos la-ços consangüíneos eram fundamen-tais e objeto do legislador no que diz respeito à proteção.
Segundo THIEL (1993, p.82) a “fa-mília formava um grupo solidário. Oferecia a seus membros seguran-ça, proteção jurídica e sustento. Es-sa coesão estreita expressava-se também em relação a terceiros: a família era responsável coletiva-mente por erros cometidos por cada um de seus membros, especialmen-te pelo chefe da família”.
4 O PROTETOR
            A sociedade primitiva de Israel con-tinha um elemento significativo pa-ra a permanência do patrimônio em poder da família. Trata-se do go’el, em síntese, o protetor. Esta função está regulamentada no capitulo 25 de Levítico e que merece ser lido. Mais que o protetor, go’el era um resgatador de bens e pessoas para que a pobreza não tomasse contra dos(as) filhos(as) de Israel. Ele de-veria intervir no caso de um israeli-ta ser vendido por causa de dívidas.
Cabia-lhe o privilegio de comprá-lo. A história de Ruth ilustra muito bem o significado da função do go’el vis-to que além de resgatador de pro-priedade, Boáz se torna também aquele que cumpre o preceito do levirato - dar filhos ao morto que não deixou herdeiros. Alem de resgatador do patrimônio e propiciador de herdeiros ao faleci-do, ao  go’el também cabia o dever da vingança no caso de derrama-mento de sangue. Esta, sem duvi-da, era a função mais  espinhosa para o  go’el porque im-plicava matar quem houvesse ma-tado o seu protegido.
DE VAUX (1994, p.35) se refere a esta função com as seguintes pala-vras: “A obrigação mais grave do go’el  israelita era a  de assumir a vingança do sangue, no qual se descobre uma lei do deserto: o  târ dos árabes. O sangue de um paren-te deve ser vingado mediante a morte do assassino, ou na falta deste, com a morte de algum de seus familiares” (tradução minha).
5 O CASAMENTO
Uma coisa é a história, outra é a Teologia. Esta não vive sem a histó-ria e, se levarmos a reflexão a fun-do, descobriremos que a história sem a Teologia perde o sabor. Do ponto de vista teológico, o ca-samento (união entre homem e mulher) é um elemento indispensá-vel ao prosseguimento da raça hu-mana. (VON ALLMEN, 1972, p. 236). Quando o Antigo Testamento utiliza a expressão “Sedes fecun-dos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a...” (Gn 1.28), está fa-zendo uma alusão clara ao “casa-mento”.
Neste contexto não aparece com clareza a menção ao homem e à mulher. O versículo 27, que perten-ce à narrativa sacerdotal da cria-ção, só fala em ‘adam ( humanida-de). Entretanto, o que esta em debate é o casamento. E a união do homem e da mulher que  torna possível a procriação, é isso que se constitui no objetivo primordial deste texto. Numa outra perspectiva, o escritor javista, ao se referir ao casal hu-mano na narrativa da criação, per-cebe a profundidade da relação en-tre o homem e a mulher a tal ponto de considerá-los da mesma nature-za. LEON-DUFOUR (1972, col. 135) ex-plicita ainda mais  esta objetividade teológica do texto de Gn. ao afirmar que a “sexualidade encontra assim o seu sentido em traduzir na carne a unidade dos dois seres que Deus chama a ajudar-se mutuamente no amor recíproco”.
O curioso da narrativa javista do primeiro par humano é a forma co-mo ele entabula o desgaste que na-turalmente acontece entre o ho-mem e a mulher que se propõem a viver uma relação mais profunda. Sem debater aqui as implicações li-terárias e teológicas, o javista inse-re no texto bíblico o jogo de acusa-ções entre homem e mulher: “En-tão disse o homem (adam): a mulher (ha’ishah) que me deste por espo-sa, ela me deu da árvore, e eu co-mi.” (Gn 3.12). Israel vê na fecundidade um sinal indelével da benção de Yahweh so-bre o homem e a mulher. Neste contexto de visão, a esterilidade é encarada como ausência dessa
benção e motivo de outras preocu-pações para a família humana. Ali-ás, a esterilidade de uma mulher podia se constituir num elemento motivador para a carta de divórcio que somente podia ser emitida pelo marido. Em casos de infidelidade conjugal, por parte da mulher, esta era des-pedida em circunstâncias humilhan-tes (Os 2.5-7) quando não conde-nada à morte (Gn 38.24).
6  ESPOSAS E COMCUBINAS
            O Código de Hamurabi, contempo-râneo da era patriarcal e do qual Is-rael copiou muita coisa, declarava que um homem podia ter somente uma esposa. No caso desta ser es-téril, podia ter outra. Caso sua es-posa lhe oferecesse uma escrava para coabitar com ela, então o ma-rido deveria dispensar esta segunda esposa. Este parece ser o caso de Abraão diante da esterilidade de Sara (Gn 16.1-2).
Entretanto, como se pode perceber pelo prosseguimento da narrativa bíblica, este preceito não foi levado muito a sério. O exemplo mais sali-ente é o de Jacó que casou-se com Lia e Raquel, onde ambas tinham o mesmo status: esposa (Gn29). Ou-tro caso típico é o de Esaú que pos-suía três esposas ( Gn 26.34; 28.9; 36.1-5). Se caminharmos um pouco mais na historia, verificaremos que as res trições com relação ao numero de esposa desaparecem quando Israel entra no período dos Juizes e da Monarquia.
Nesta época mais tardia encontramos Gideão com muitas esposas (Jz 8.30-31). Já no conjun-to de leis casuísticas em Deutero-nômio, encontramos normativas a respeito da situação de varias espo-sas para um mesmo homem (Dt 21.15-17). Quando chegamos ao reinado va-mos encontrar verdadeiros haréns ao redor dos reis: Saul tinha pelo menos uma concubina (2Sm 3.7:12.18); Quando Davi estava em Hebron, isto é, no inicio de seu rei-nado, já possuía várias esposas (2Sm 3.2-5) e em Jerusalém con-traiu matrimônio com outras espo-sas e concubinas  (2Sm 5.13); Ro-boão teve dezoito esposas e cerca de sessenta concubinas (2Cr 11.21); entretanto, nenhum destes reis fez sombra ao fabuloso harém de Salomão – setecentas esposas e trezentas concubinas (1Rs 11.3).
A situação da mulher, no período de assentamento em Israel foi ligeira-mente prejudicada. Ela não gozava de grandes direitos no período an-terior. Entretanto, com o advento da propriedade da terra, a mulher ficou relegada a uma função quase que meramente doméstica, um pouco acima da condição social de um escravo. De qualquer maneira era considerada uma “propriedade” do homem (THIEL, 1993, p.82). Enquanto o homem tinha privilé-gios, a mulher estava obrigada a dividir seu espaço com outras mu-lheres, esposas do seu “marido” ou simplesmente concubinas.
7  FILHOS E FILHAS
O casamento, entre os israelitas, era uma festa marcada por muitos acontecimentos mas entre estes es-tavam os votos que todos faziam aos noivos, com a mais pura das in-tenções: “que vivam felizes para sempre e tenham muitos filhos e fi-lhas”. Ainda hoje, entre os beduínos da Palestina é possível encontrar nos umbrais das portas dos recém-casados, uma espiga carregada de grão onde cada um deles represen-ta um(a) filho(a) que o casal deseja ter.
No Israel antigo, ter muitos filhos e filhas significava ser abençoado ri-camente por Yahweh. Vejamos, por exemplo, a benção que Rebeca re-cebe ao se despedir de seus fami-liares: “És nossa irmã: sê tu a mãe de milhares de milhares, e que a tua descendência  possua a porta dos seus inimigos”. (Gn24. 60). Como já afirmamos, normalmente era a mãe quem dava o nome aos(às) seus(suas) filhos(as). Neste sentido temos vários textos que e-lucidam esta afirmativa. (Gn 29.31-30.24; 1 Sm 1.20).
É importante ressaltar que o nome definia a essência de cada coisa e isso se aplica às pessoas – o nome queria dizer o que se esperava, o sentido que se tinha daquela pes-soa que nascia. Com relação à educação, essa era tarefa da mãe que ministrava dire-tamente ou encomendava a alguma “pedagoga” para que educasse a criança nos primeiros tempos.
Depois os meninos se entrosavam na “turma da rua” ou das  praças onde passavam boa parte do tempo brincando/aprendendo (Jr 6.11; 9.20; Zc 8.5). Quando os meninos atingiam a pu-berdade eram confiados aos pais que tinham a responsabilidade de ministrar o ensaio sagrado que in-cluía o conhecimento da tradição, das prescrições rituais, da história do próprio povo de Israel, etc. (Ex. 10.2; 12.26; Dt 4.9). Fora este en-sino diretamente ligado à questão religiosa (se bem que em Israel quase tudo era religioso) havia um outro lado da educação que os pais também ficavam encarregados (Pv 1.8; 6.20).
Evidentemente que  isso se refere ao povo comum. Há uma classe de profissionais que possuía um nível de instrução bem mais aprimorado. Estes eram os escribas, ou pessoas que lidavam com administração, os secretários particulares e membros da classe dirigente. Isso não quer dizer que o conhecimento das Escri-turas estivesse limitado a esses es-pecialista das letras - um jovem de Sukkot pode dar por escrito a Gide-ão os nomes de todos os chefes de seu clã (Jz 8.14). Os mestres adotavam um método tradicional de ensino em que a for-ma oral era comumente pratica. O aluno era inquirido, recebia explica-ções, repetia as lições, fazia e res-pondia perguntas (Ex 13.8; Dt 6.7; Sl 78.3-4).
No Israel antigo não se conhece, do ponto de vista de registros, nenhu-ma escola destinada à educação das crianças. Todos estes ensina-mentos eram passados pelos pais aos filhos no seio da família, como também fazia parte das responsabi-lidades dos pais ensinarem uma profissão os filhos. Há um ditado rabínico que elucida bem esta responsabilidade: “Quem não ensina a seu filho um oficio útil, o cria para ser ladrão (DE VAUX, 1994, p.87).
Com relação ás meninas, a partir da puberdade, continuavam em com-panhia das mães e se dedicavam ao aprendizado das lides domésticas.
8 CONCLUSÃO
            O que se pode observar nesse contexto social, é que embora essa civilização assim como outras possam ser muito antigas, se assemelham em muito ao contexto social dos dias atuais. Sempre será necessária uma organização política para lidar com as questões sociais, cuidar da educação, organizar as vidas conjugais e até mesmo se deter em questões como arte e lazer. Porque como já foi comentado, mudam-se os tempos e as civilizações, mas o ser humano continua o mesmo, necessitando sempre de uma vida comum de compartilhamento em sociedade.
5 REFERÊNCIAS
ELWELL, Walter. Manual bíblico do Estudante. Rio de Janeiro: CPAD, 1997.
FILLION, Louis-Claudio. Enciclopédia popular de cultura bíblica. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2003.
TENNEY, Merril C et al. Vida cotidiana dos tempos bíblicos. 3 ed. Miami, Flórida: Vida, 1988.

Por: Joelsam

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