quarta-feira, 14 de outubro de 2015

ALTERAÇÕES TEXTUAIS NA BÍBLIA



RESUMO
Um assunto que permeia a mente de muitos cristãos, estudante e pesquisadores. As alterações nos textos bíblicos tem sido tema de debates ao longo dos tempos. No entanto, não foi sempre assim, durante muitos anos, a igreja católica considerada como a primeira igreja cristã, imperou como a única detentora e guardiã dos escritos sagrados e não admitia contestações, punindo severamente os que tentavam se sobressair nesse assunto. Embora, já desde os primórdios dos registros bíblicos, sempre houve, alterações através dos copistas nos escritos por diversos motivos. Nesse Paper, será comentado um pouco a respeito desse assunto de maneira sucinta, mas tentaremos abranger desde o início dos escritos bíblicos até exemplos de alterações corriqueiras nos dias atuais.
Palavras-chave: Alterações; Copista; Igreja.

1 INTRODUÇÃO
            O homem moderno está vivendo hoje, em um mundo de constante transformação social, mental e espiritual. Durante muitos anos a igreja, utilizando-se da bíblia como verdade absoluta, reinou e dominou com seus ensinos e dogmas, sem ser questionada por quem quer que seja. No entanto, os tempos mudaram, as pessoas evoluíram, as pesquisas avançaram e a igreja que antes era uma instituição inquestionável, passou a ser ameaçada até mesmo pelos seus próprios membros, tendo como maior exemplo desse tipo de questionamento, o movimento da reforma protestante que apesar de ter um fundo político, terminou com uma publicação de 95 teses por Martinho Lutero por volta do século XVI (GRUDEM, 2012).
            Hoje em dia, com o avanço da crítica textual, o alvo não é mais somente a igreja, mas a própria bíblia. Onde, além de se tentar determinar os textos originais, também supõe ver como o texto veio a ser modificado ao longo dos tempos, tanto por meio de enganos dos copistas, como por meio de modificações deliberadamente introduzidas por eles, muitas vezes até mesmo motivadas por disputas teológicas que eram muito comuns na época deles.
2 O INÍCIO DAS ESCRITURAS
            Para se tenta entender de onde surgem essas possibilidades de alteração nos textos da bíblia, é preciso entender de onde surge esse tipo de religião que tentar registrar tudo em livros, conhecida por religião do livro. Segundo os historiadores, isso começou como uma característica peculiar do cristianismo greco-romano, prefigurado pelo judaísmo, a primeira “religião do livro” da civilização ocidental.
            Tendo em vista a característica politeísta das religiões da época, onde não se exigiam conjuntos particulares de “retas doutrinas”, os livros não desempenhavam função de destaque em seu seio. Só o judaísmo insistia em leis, costumes e tradições ancestrais, e defendia que eles fossem registrados em livros sagrados, que gozavam, portanto, do status de escritura para o povo judeu.
            No entanto, apesar do cristianismo primitivo ser considerado uma religião do livro, isso não significa que qualquer um poderia escreve ou ler um livro. Ao contrário, a grande maioria deles, assim como a maior parte da população do império, incluindo os judeus, era analfabeta. Estudos sobre o letramento demonstram que aquilo que hoje conhecemos por letramento universal, é um fenômeno moderno que só surgiu com o advento da Revolução Industrial.
Ou seja, foi apenas quando as nações observaram que poderiam se beneficiar da habilidade de leitura para os negócios, que passaram a investir tempo e dinheiro para assegurar que todos recebessem alfabetização básica. Como conseqüência dessa atitude tardia, até o período moderno, quase todas as sociedades apresentavam apenas uma pequena parcela da população capaz de ler e escrever (HERMAM, 2015)  
3 A VULNERABILIDADE NA TRANSMISSÃO DOS TEXTOS BÍBLICOS
             No mundo antigo, a única maneira de copiar um livro era fazê-lo a mão, letra a letra, uma palavra por vez. Era um processo demorado, detalhista, e não havia alternativa. Diferente dos livros atuais em que é possível fazer milhares de cópias sem o texto sofrer qualquer tipo de variação, no mundo antigo não era assim. Em vista que o livro tinha que ser copiados a mão e um por vez, era impossível produzir livros em massa. Os poucos livros eram produzidos em cópias múltiplas, que diferiam entre si, porque os copistas inevitavelmente faziam alterações neles.
            E a vulnerabilidade dos textos bíblicos estava exatamente aí, na forma de se copiar um manuscrito original. Dado que os livros não eram produzidos em massa e que não havia editoras ou livrarias, as coisas eram bem distintas. Geralmente, um autor escrevia um livro e, possivelmente, teria um grupo de amigos para lê-lo ou ouvi-lo lido em voz alta, para sofrer as primeiras críticas e conseqüentemente sofrer as primeiras alterações. Depois de concluído o autor mandava fazer algumas cópias e distribuía a uns poucos amigos.
            O problema, é que se esses amigos quisessem presentear outros amigos ou membros da família com uma cópia desse mesmo livro, mandaria por conta própria reproduzir por meio de um copista profissional ou até mesmo de um escravo letrado que poderia fazer isso como parte de seus afazeres domésticos. Acontece que nesse processo, a escrita não estava mais sob domínio do autor, portanto, o texto poderia ser modificado até mesmo por interesse pessoal de quem estava mandando copiar, por erros involuntários ou voluntários dos próprios copistas.
4 OS ESCRITOS BASEADOS NOS ORIGINAIS DA BÍBLIA
             Na verdade, já não existem mais os manuscritos autógrafos, ou seja, aqueles que contêm a forma textual que saiu das mãos dos escritores dos livros bíblicos, e os mais antigos documentos que trazem o texto da Bíblia são cópias de uma infinidade de outras cópias, produzidas séculos depois de os autores terem escrito os livros.  Como a Bíblia nas línguas em que foi originalmente escrita, para ser difundida, dependeu essencialmente de cópias que dela foram feitas ao longo de tanto tempo, os copistas acabaram introduzindo alterações no texto, algo que foi inevitável de acontecer (RAUPP, 2010).
            As passagens bíblicas divergentes são chamadas de variantes textuais ou leituras variantes, e há centenas delas. Um dos grandes problemas era que muitos dos copistas não eram habilitados, treinados profissionalmente para fazer tal serviço. Nesse tempo, os textos antigos não usavam marcas de pontuação, não se fazia distinção entre minúsculas e maiúsculas e, não havia espaço de separação entre as palavras, e isso, é claro, causava muitos transtornos.
            Tem o caso da carta de Paulo os Gálatas, que tudo indica, não foi ele que escreveu, como muitas outras cartas também, mas foi ditada a um amanuense e assinada por ele, inclusive com letras grandes conforme (Gálatas 6:1). No entanto, o que sobrevive hoje não é a cópia original da carta, nem uma das primeiras cópias que o próprio Paulo fez, nem ainda alguma das cópias produzidas em alguma das cidades da Galácia à qual a carta foi enviada, nem mesmo uma cópia dessas cópias.   
5 MUDANÇAS NOS TEXTOS BÍBLICOS
A existência de erros nas escrituras bíblicas já é um assunto muito comum entres os pesquisadores e estudantes de teologia. Muitas vezes os copistas simplesmente se distraíam, tinham sono, fome, entre outras coisas, mas seria um equívoco concluir que as únicas mudanças feitas eram provocadas por copistas com interesses pessoais, resultado de escorregões da pena, omissão acidental, acréscimo despercebidos, palavras mal grafadas.
Não obstante, eles mudavam os textos por questões teológicas, ideológicas ou simplesmente porque achavam que ele tinha de ser mudado por concluírem que o texto continha um erro e precisava ser corrigido. Como por exemplo: uma provável contradição, uma referência geográfica errada ou uma menção escriturística deslocada (EHRMAN, 2015).
Um dos exemplos de alteração textual em favor de posicionamentos dogmáticos é o caso da tradição histórico-religiosa milenar judaica, que tenta eliminar de seus escritos a figura de Jesus Cristo. Entre muitas passagens, tomemos como exemplo a passagem de Lucas 4:16-20 que descreve: “...O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres [...] tendo fechado o rolo, devolveu-o ao assistente e sentou-se ...”(ALMEIDA, 1990.)
O que os pesquisadores observam, é que está claramente descrito nos evangelhos que Jesus Cristo leu esta passagem diante de todos no templo, no entanto, não há menção deste trecho do profeta Isaías lido por Jesus na lista oficial de leituras da Haftará do judaísmo recente. Logo, vem a pergunta: O que aconteceu então, com a Haftará que Jesus leu na sinagoga de Nazaré? (MIGUEL, 2015)
Outra situação de alteração muito comum e corriqueira nos dias atuais são as traduções bíblicas, que de acordo com a corrente teológica do tradutor, o mesmo pode modificar as palavras do texto, traduzindo para um equivalente mais aceitável por sua denominação, mesmo que isso venha comprometer a corrente religiosa de outros (SOBRINHO, 2010).


4 CONCLUSÃO
            Esses pequenos comentários sobre esse tema muito abrangente e em evidência cada vez mais, não chegam nem a arranhar os milhares de modificações que foram feitas por copistas profissionais e amadores ao longo da história, tanto no Antigo Testamento como no Novo. Embora, muitas dessas modificações não tenham muito impacto nas interpretações como um todo, a grande maioria pode sim ter influenciado todo um contexto religioso com a manipulação da igreja sobre os seus fies ao longo dos séculos.
            Por outro lado, não se pode culpar os copistas por tantas modificações, porque qualquer ser humano no processo de leitura faz as suas próprias adaptações de termos para dar  sentido ao texto para ele ou para quem ele deseja passar essas informações. A diferença é que as modificações orais não ficam registradas e podem novamente ser mudadas a qualquer momento, enquanto que as escritas ficam registradas fisicamente e ao passarem pelo mesmo processo de mudanças de termos por outro leitor, obrigatoriamente sofrer novas modificações inevitavelmente. Ou seja, a diferença daquele tempo para os dias atuais, é que os copistas mudaram as escrituras de um modo que nós não fazemos.


5 REFERÊNCIAS
ALMEIDA, J. F. Bíblia Sagrada: o antigo e novo testamento. São Paulo: Simplificada, 1990.
GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2012.
EHRMAN, Bart D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse?. 2 ed. Rio de Janeiro: Agir, 2015.
MIGUEL, Igor. Alterações textuais que impedem a percepção de Yeshua como o Messias:  Disponível em: < http://www.welingtoncorp.xpg.com.br/biblia_hebraica_portugues.pdf >. Acessado em 03 de Jun de 2015.
RAUPP, Marcelo. Uma Análise Descritiva De Três Traduções Brasileiras Da Bíblia A Partir e Alterações Introduzidas Nos Manuscritos Em Língua Original:  Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/94236/276638.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acessado em 05 de Jun de 2015.
SOBRINHO, Paulo S.N. Os textos originais da Bíblia?:  Disponível em: < http://www.apologiaespirita.org/apologia/artigos/025_Os_textos_originais_da_Biblia.pdf>. Acessado em 07 de Jun de 2015.

Por: Joelsam

ÉPOCA DA HISTÓRIA DE ISRAEL



          O AT se formou dentro da história e se refere, na maioria de seus enunciados, à história. Todavia, sua exposição constitui um testemunho de fé que não conserva a tradição em sua configuração original, "historicamente pura", mas a relaciona com o respectivo momento histórico, modificando-a com isso ao mesmo tempo.
Por isto compete ao historiador desentranhar a história de Israel de forma crítica do AT. Esta reconstrução se baseia num passo metodológico triplo: 1) análise das fontes, inclusive da tradição oral nelas contida; 2) identificação e avaliação de material compa-rativo extrabíblico do Antigo Oriente e 3) com especial cautela, inferências sobre acontecimentos históricos. Tradições fixadas por escrito aparecem, em Israel, de forma mais ampla somente a partir da época da monarquia; lembranças de épocas anteriores eram transmitidas oralmente, muitas vezes em forma de sagas. A localização das fontes, mas também a diversidade da metodologia aplicada fazem com que, sobretudo no âmbito da pré-história e da história dos primórdios de Israel, muitas vezes se alcancem apenas resultados controvertidos. Israel só se confi-gura como grandeza coesa, sujeita a inferências históricas, depois da imigração em Canaã; sua auto compreensão, porém, se baseia em tradições dos tempos anteriores ao assentamento.
Considerando-se este fato, podemos dividir a história de Israel a grosso modo em cinco ou seis épocas (sendo possível, por exemplo, fundir a 4ª e a 5ª fase em uma única), para termos uma visão melhor:
I. Pré-história nômade
II. Época pré-estatal
III. Época da monarquia
IV. Exílio
v. Época pós-exílica
VI. Era do helenismo
séculos XV(?)-Xm
séculos XII-XI
ca. de 1000-587
587-539
a partir de 539
a partir de 333
Claro que neste apanhado geral e sucinto não nos propomos apresentar os proble-mas muitas vezes complexos da historiografia e expor os múltiplos detalhes da história de Israel em suas relações com o contexto do Antigo Oriente. Pretendemos, isso sim, delinear apenas um quadro referencial dos fatos de máxima importância para compreen-der o M.
a) A pré-história nômade
A fase histórica que pressupõe o surgimento de uma escrita começou no Antigo Oriente já no início do terceiro milênio a.C. Quando Israel entrou no palco da história, povos vétero-orientais, portanto, já tinham um longo passado atrás de si, em que Israel se sente incluído (Gn 10). Contudo, os antepassados de Israel (apesar de Gn 11.28ss.; 12.4s.) dificilmente vieram do âmbito das culturas altamente evoluídas da Mesopotâmia e do vale do Nilo. Gn l1.20ss. menciona nomes próprios como Naor ou Harã, cuja existência como topônimos é comprovada no noroeste da Mesopotâmia; também no próprio AT Harã aparece como topônimo (Gn Il.Sls.; 12.4s.; 28.10). Todavia, é pouco provável que os ancestrais de Israel sejam oriundos daquela região, muito menos da mais distante Ur (11.28,31).
Houve, isto sim, relações de parentescocom aquela população (27.43; 22.20ss.; 24.4ss.) como também as houve com os vizinhos mais próximos no Leste e Sul: Amom, Moabe (l9.30ss.) e Edom (36.10ss.), que surgiram do movimento migratório aramaico. Os antepassados de Israel integravam provavelmente aqueles grupos aramaicos que no decorrer do tempo adentraram a terra cultivada fértil em levas, provindas alternadamente do deserto ou da estepe. Os parentes de Abraão são considerados arameus (Gn 25.20; 28.5; 31.18,20,24 e outras) e o credo preservado em Dt 26.5 afirma inclusive a respeito do ascendente de Israel: "Meu pai era um arameu errante." Ao que parece os antepassados de Israel falavam originalmente aramaico e adotaram a língua local, o hebraico, somente depois do assentamento.
Até mesmo o nome de Deus, Javé, provavelmente é aramaico (hwh, "ser") e
significa "ele é, mostra-se (eficaz, prestativo)", o que é retomado pela interpretação de Êx 3.12,14: "Eu serei (contigo)." Por volta da segunda metade do segundo milênio a.C. surgiram as três tradições constitutivas para a autocompreensão do posterior povo de Israel: a promessa aos patriarcas, a libertação da servidão no Egito e a revelação junto ao Sinai. Na versão [mal que temos no AT do complexo processo traditivo, difícil de se acompanhar em seus pormenores, as tradições formam um continuum histórico: os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó se inserem numa seqüência genealógica, os filhos de Jacó se multiplicam e constituem no Egito o povo de Israel (Êx 1.7), e Moisés representa a figura de ligação na abrangente seqüência de acontecimentos que vai desde a opressão no Egito, passando pela estada junto ao Monte Sinai, até a migração para a Transjordânia (Dt 34).
A fé compreende o passado como atuação do único Deus em favor de um único povo, que é conduzido por desvios, mas em conjunto, para a terra prometida.
A partir deste ponto de chegada a fé israelita vê a história de forma mais unitária do que ela se apresenta numa retrospectiva histórica. Desde o livro de Êxodo até o livro de Josué, as tradições foram submetidas posteriormente a uma "orientação pan-israelita" (M. Noth); ou seja, originalmente não tratavam do ovo inteiro. De maneira mais adequada as sagas do livro de Juízes descrevem a época posterior ainda como história de tribos.
Quando então investigamos de forma crítica o transcurso histórico, temos de destacar, num primeiro momento, a camada interpretativa pan-israelita que marca profundamente as tradições do Pentateuco. Além disto o historiador deve verificar a seguinte questão: com a história dos grupos familiais do tempo dos patriarcas e com a história do povo, que começa na época de Moisés, ou até com as tradições do êxodo e do Sinai não se fundem diversas tradições de outro meio e conteúdo, que remontam a episódios vivenciados por grupos independentes entre si? Isto constitui um dos problemas principais da historiografia; qualquer reconstrução da história desta época não passará de um tatear no escuro.
1. Particularmente sobre a religião dos patriarcas só podemos tecer conjeturas. A solução clássica (A. Alt, 1929), hoje mais e mais questionada, detectou um tipo especial de religião da família ou do clã, que se enquadra bem na forma
de vida dos nômades: a fé no "Deus dos pais".
O "Deus de Abraão", o "Temor (parente?) de Isaque" ou também o "Poderoso de Jacó" (Gn 31.29,42,53; 46.1; 49.24s.) não se vinculavam a nenhum santuário provido de sacerdotes, mas se revelavam - sempre individualmente - ao líder de um
clã migrante, prometendo-lhe orientação no caminho, proteção, descendência e a posse de terras (12.7; 28.15,20 e outras). Todavia, Israel estendeu a promessa de terra a toda a Palestina e ampliou a promessa de um filho para a promessa de tomar-se um povo (15.4ss. e outras).
Segundo a exposição de Gênesis, os patriarcas se assentavam, durante suas migrações, em certos locais sagrados, onde lhes eram concedidas revelações de Deus (v. abaixo § 5b3). Presumivelmente os grupos patriarcais se fixaram nos arredores destes mesmos lugares: Abraão, perto de Hebrom (Gn 13.18; 18; 23), Isaque, perto de Berseba, no Sul (24.62; 25.11; 26.23ss.), Jacó, tanto na Transjordânia, em Peniel e em Maanaim (32.2,23ss.), como também na Cisjordânia,
em Siquém e Betel (28.lOss.; 33.19ss.; 35.1ss.). Desta diversidade de locais onde se fixaram os patriarcas concluímos que os grupos originalmente viviam separados uns dos outros. Por conseguinte, Abraão, Isaque e Jacó provavelmente só foram vinculados numa cadeia genealógica posteriormente, quando os distintos grupos e tribos se uniram ou até - ao mais tardar, caso isto não seja tarde demais - quando se fundiram num Estado.
Através do comércio, por ocasião da transumância ou de visitas aos santuários de peregrinação, muito mais intensamente depois do assentamento, os seminômades se encontraram com os cananeus nativos e identificaram os deuses dos patriarcas com as manifestações do deus EI nos santuários da terra cultivada,como o El-Betel, "Deus (de) Betel", em Bete! (Gn 35.7; cf. 31.13), ou o EI-0Iam, "Deus (da) Eternidade", em Berseba (21.33; cf. 16.13 e outras).
Em um estágio subseqüente, as divindades dos patriarcas e de El foram identificadas 20 com Javé, o Deus de Israel (Êx 3.6,13ss.; 6.2s.; cf. Js 24.23). Este fenômeno não significava uma distorção da fé em Javé por elementos alienígenas, porque já o Deus dos patriarcas, com a sua palavra que apontava para o futuro, estava voltado para os seres humanos e com isto para a história, e era adorado de modo "monolátrico", quer dizer, como Deus único dentro de cada clã.
2. Também a saída do Egito, que se tornou a confissão de fé fundamental para Israel (Êx 20.2; Os 13.4; Ez 20.5; SI 81.11 e outras), se apresenta como cumprimento de uma promessa (Êx 3s.; 6). Segundo todos os indícios históricos, porém, só houve um único grupo que esteve no Egito e que mais tarde foi absorvido pelo povo de Israel, mais precisamente, ao que parece, pelo Reino do Norte.
Sob estas restrições, contudo, a tradição contém um núcleo histórico confiável. Os antepassados de Israel, que muito provavelmente foram forçados pela carestia a migrarem para o Egito (Gn 12.10; 42s.), foram submetidos ali a trabalhos forçados, participando na construção das "cidades-celeiros" Pitom e Ramsés (Êx 1.11). Este dado nos remete ao século XIII a.C; quando Ramsés 11 mandou erguer uma nova capital ("casa de Ramsés") no delta ocidental, na fronteira nordeste de seu reino. Quando o grupo de trabalhadores fugiu (cf. 14.5), foi perseguido, mas salvo - talvez por uma catástrofe natural. O testemunho mais antigo deste episódio é um cântico que descreve este acontecimento não como vitória de Israel, mas exclusivamente como feito de Deus, realizado sem auxílio humano:
"Cantai a Javé; pois alto se ergueu, cavalo e condutor (de carro de combate) ao mar atirou." (Êx 15.21; cf. 14.l3s.25.) Tanto a versão traditiva em forma de hino (Êx 15) como a versão em prosa (14) antecipam dois traços básicos da fé veterotestamentária, que - ao lado da adoração exclusiva a Javé e da proibição de imagens (Êx 20.2ss. e outras) a marcam até a época tardia: a fé se reporta a feitos de Deus na história e professa o Deus que liberta da aflição.
Todavia, a lembrança destes acontecimentos, seja da opressão (Êx 1.15ss.;
5), seja da libertação (14.23,26, 28s.P; 15.8ss.; SI 136.13ss.; Is 51.9s. e outras), foi pintada com cores sempre mais fortes no decorrer do tempo. Os milagres das pragas e da noite da Páscoa, que obrigam o faraó a "deixar ir" Israel, em última análise são simbólicos: filhos e netos, sim, todo o mundo deve saber o que Javé fez (Êx 9.16; 10.2). Por ocasião da última desgraça com que Deus golpeia os egípcios, a matança dos primogênitos humanos e animais, só é "poupado" quem se garante por meio de um rito de proteção. Esta praga revela algo da origem da Páscoa, que remonta aos tempos nômades. nata-se de um antigo rito apotropéico (aspersão das entradas das casas ou das tendas com sangue ovino, consumo de carne assada), através do qual os pastores protegiam a si e a seus rebanhos contra um demônio do deserto, o "exterminador" (Êx 12.23; cf. Hb 11.28).
Em Israel, a Páscoa adquiriu um novo caráter:vinculadacom a festa dos Massoth, a festa dos pães asmos, quando por sete dias se comia apenas pão sem levedura (Êx 13; cf. 23.15; 34.18), tomou-se dia comemorativo do êxodo (12.14 P; cf. Dt 16.3,12 e outras), servindo assim de motivo para a proclamação (Êx 12.24ss.; 13.8,14ss. e outras)
3. O nome de Deus, Javé, está vinculado originalmente ao monte Sinai
(Jz 5.4s.; Dt 33.2), e diz-se que Moisés "subiu a Deus" para conduzir o povo
"ao encontro de Deus" (Êx 19; 24; cf. 33.12ss.; 1 Rs 19). O monte Sinai, cuja localização exata continua uma incógnita, ficava na área de migração dos midianitas nômades? Possivelmente os antepassados de Israel tenham assimilado a fé em Javé pela mediação dos midianitas (cf. Êx 18.12) ou quenitas (cf. Gn 4.15); em todo caso a tradição preservou a lembrança confiável de que Moisés era genro de um sacerdote midianita (Êx 2.16ss.; 18) ou, então, quenita (Jz 1.16; 4.11). Será que foi desta maneira que Moisés conheceu a fé em Javé, divulgando-a depois entre aqueles que estavam submetidos à servidão no Egito (cf. Êx 3s.)? Visto que Moisés tem um nome egípcio cujo significado aproximado é "filho" -, podemos decerto ver em sua pessoa um elo de ligação entre os territórios do Egito, de Midiã e da Transjordânia (Dt 34.5s.). O papel de Moisés como mediador da revelação de Deus junto ao monte Sinai também faz parte do núcleo desta tradição? Em todo caso, continua controvertido o que "realmente" aconteceu ali. A perícope do Sinai em sua
forma atual compreende essencialmente três temas:
- a teofania, isto é, a manifestação de Deus em um fenômeno natural, seja uma
erupção vulcânica ou uma tempestade (Êx 19.16ss.);
- a assim chamada frrmação da aliança, isto é, a fundação da comunhão entre Deus
e o povo (Êx 24; 34);
- o anúncio do direito divino (especialmente em Êx 20-23; 34).
Certamente a teofania faz parte do acervo primitivo, e muito provavelmente
também o encontro com Deus, que inaugura um relacionamento duradouro que só mais tarde deve ter sido chamado de "aliança". Mas a proclamação do direito não constitui um elemento traditivo originalmente autônomo? Em todo caso, pelo fato de o Decálogo, o Código da Aliança (Êx 20-23) e também outras coleções de preceitos jurídicos e normas cúlticas terem sido incluídos na perícope do Sinai, tanto o culto quanto a ética e as leis de convivência humana são considerados conseqüência do relacionamento com Deus.
Entre a saída do Egito e a revelação no Sinai, bem como entre esta e a tomada da terra, foi introduzida a tradição da "condução pelo deserto". Esta tradição, contudo, não forma uma unidade coesa, sendo composta por diversas sagas e episódios isolados. Estesdescrevem essencialmente a salvação de aflições e perigos durantea peregrinação pelo deserto - a salvação da fome (alimentação com maná e codornizes: Êx 16; Nm 11) e da sede (água que maria da rocha: Êx 17; Nm 20; cf. Êx 15.22ss.), mas também da ameaça inimiga (guerra contra Amaleque: Êx 17.8ss.). No atual contexto as tradições distintas testemunham de maneira exemplar a falta de confiança por parte de Israel nas promessas divinas, que se expressa nas "murmurações" do povo saudoso das "panelas de carne" do Egito (16.3; Nm 11).
As diversas tradições locais do extremo Sul da Palestina (em especial Êx 17)
apontam para um centro geográfico oculto e de cuja importância o AT apenas conserva uma vaga lembrança (Dt 1.46; 32.51; 33.8; Nm 13.26; 20 e outras). Os antepassados de Israel se demoraram na região do oásis de Cades? Os que haviam saído do Egito encontraram-se ali com outros grupos, eventualmente também da região do Sinai? Durante a caminhada em direção à terra cultivada este serviu de ponto de parada intermediária decisiva também para a divulgação da fé em Javé? Neste período da pré-história de Israel, já bastante próximo da Palestina, há mais perguntas do que respostas seguras.
b) A época pré-estatal (tomada da terra e época dos juízes)
Enquanto na Ásia Menor o império hitita desmoronava e os grandes impérios do Egito e da Mesopotâmia experimentavam um declínio no seu poder, na passagem da Idade do Bronze Recente para a Idade do Ferro, os antepassados seminômades de Israel penetraram na Palestina e, ao que parece, somente aí formaram tribos organizadas. Este processo imigratório, propositalmente designado com a expressão neutra "tomada da terra" (A. Alt), dificilmente se caracterizou (ao contrário de Js 1-12) por atividades guerreiras onde todo o Israel, unido sob uma liderança comum, tivesse conquistado, passo a passo, todo o país. Tratou-se, antes, de um processo essencialmente pacífico, gradativo e, ao que parece, demorado de paulatina sedentarização.
Este processo se deu de maneira diferente em cada região, como mostram alguns registros, conservados mais ou menos por acaso. A tribo de Dã tentou primeiro assentar-se na Palestina Central, mas foi escorraçada para o extremo Norte (Jz 1.34; 13.2,25; 17s.; Js 19.408s.). Provavelmente também a tribo de Rúben (cf. Js 15.6; 18.17;Jz 5.15s.), decerto também as tribos de Simeão e Levi (Gn 34; 49.5ss.) se assentaram originalmente no âmbito da Palestina Central.
A tribo de Issacar (= "homem de salário, assalariado") pôde, pelo que sugere o nome, tomar-se sedentária apenas comprometendo-se a prestar serviços a cidades cananéias (cf. Gn 49.14s.; também Jz 5.17). A imigração dos distintos grupos ocorreu presumivelmente também partindo de diversas direções. Judá (ao redor de Belém) foi ocupada a partir do sul (cf. Nm 13s.), a Palestina Central, ou seja, as áreas habitadas por Benjamim e a "casa de José", a partir do leste (Js 2ss.)? Em todo caso, o assentamento ocorreu primeiro nas áreas montanhosas, menos populosas (cf. Js 17.16; Jz 1.19,34). As localidades fortificadas das planícies, que constituíam cidades estados politicamente independentes e dispunham, graças aos seus carros de combate, de armamento superior, não puderam ser conquistadas, como comprova a assim chamada "relação negativa de posse" (Jz 1.21,27ss.), altamente significativa para a reconstrução dos primórdios de Israel.
Desta maneira surgiram quatro áreas de ocupação israelita que estavam interligadas apenas parcialmente: os dois centros eram formados pela' 'casa de José" na Palestina Central e Judá no Sul, como também os territórios mais periféricos da Galiléia no Norte (Aser, Zebulom, Naftali, Issacar) e a Transjordânia (Rúben, Gade). Entre as três áreas de assentamento na Cisjordânia inseriam-se dois cinturões de cidades-estados cananéias fortificadas: o cinturão setentrional passava pela planície de Jezreel (Jz 1.27; Js 17.14), e o meridional ia de Jerusalém em direção ao oeste (Jz 1.21,29.35). Porém estas duas barreiras transversais dificilmente significavam uma separação rigorosa das diversas regiões de "Israel".
Durante a época dos juízes - isto é, um pouco mais tarde - indivíduos e também tribos da Palestina Central e da Galiléia tinham oportunidades de se encontrarem (Jz 4s.; 6s.). Existiam também contatos com Judá no Sul (compare Js 7.1,16; 15.16 com Jz 3.9; eventualmente 12.8)? À tomada da terra, concluída por volta do século XII a.C; seguiu-se a progressiva expansão e consolidação da posse da terra. Parece que somente este período, em que "Israel se tornou mais forte" (Jz 1.28), é marcado em medida maior por confrontos bélicos com as cidades-estados cananéias, especialmente pela assim chamada batalha de Débora (Jz 4s.; cf. 1.17,22ss.; Js lOs.; Nm 21.21ss.; mas também Gn 34). Os cananeus foram submetidos a trabalhos forçados (Jz 1.28ss.; Js 9) e assim paulatinamente integrados, de modo que Israel pôde assimilar concepções religiosas da população autóctone.
Não era natural que Israel mantivesse os costumes que desde tempos imemoriais estavam vinculados à agricultura (cf. SI 126.5s.)? Acaso a chuva, que propiciava vida, e a fertilidade do solo não vinham dos deuses do país, em especial do deus Baal? Em última análise a exigência da fé israelita de adorar exclusivamente a Javé permitia apenas wna única solução, que por certo só se impôs depois de um período de tempo mais prolongado: Javé também é senhor das estações do ano (Gn 2.5; 8.21 J; 1 Rs 17s.; Os 2 e outras). Nos santuários do país, como Betel ou Silo, Israel deve ter conhecido as tradicionais festas agrárias do país (Jz 9.27; 21.19ss.; cf. Êx 23.14ss.).
O cântico de Débora (Jz 5) celebra a vitória que uma coalizão de tribos obteve com o auxílio de Javé sobre as cidades cananéias, na planície de Jezreel. De modo similar as tribos diretamente atingidas por qualquer emergência se coligavam com outras da circunvizinhança (cf. 7.23s.) para travar a "guerra de Javé", sob a liderança de um "juiz" carismático - seja contra ataques de vizinhos inimigos, como os amonitas (Jz 11; 1 Sm 11), seja contra a invasão de tribos inimigas, como os midianitas (Jz 6s.; v. abaixo § llc2).
Como tribos distintas se uniam no caso de uma guerra, tribos vizinhas também se encontravam em diversos santuários de peregrinação para celebrarem cultos em conjunto (cf. Dt 33.19 a respeito do 'Iàbor). Havia além disso um vínculo duradouro, de alguma forma institucional, de todas as tribos? Havia, antes da formação do Estado, uma confederação das doze tribos, uma assim chamada anfictionia (M. Noth), que, em conjunto, prestava culto a Javé? Conforme textos mais antigos (Gn 29.31ss.; 49; Dt 33), bem como textos mais recentes (p, ex. 1 Cr 2.1s.), as tribos são sempre 12;elas são personificadas nos 12filhos do patriarca Jacó-Israel e se relacionam conforme seu respectivo ascendente matemo:
filhos de Lia: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Issacar e Zebulom;
filhos de Raquel: José (Efraim, Manassés), Benjamim;
filhos das criadas: Dã e Naftali [de Bila], Gade e Aser [de Zilpa].
Numa versão posteriorda lista (Nm 1; 26) falta Levi; o número 12 é mantido, no entanto, pela subdivisão de José em (seus filhos) Efraim e Manassés. Certamente o símbolo e a realidade se confundem neste sistema de classificação -- mas o que constitui seu fundo histórico? O número 12, significativamente constante e mantido por séculos (apesar da troca dos elementos mencionados), dificilmente pode ter-se originado no tempo da monarquia; pois a monarquia trouxe consigo a constituição de um Estado nacional e, por fim, territorial que ultrapassava em muito a estrutura tribal. Também a ordem hierárquica das tribos em épocas posteriores não corresponde mais à realidade histórica; pois as tribos de Rúben, Simeão e Levi (cf. Gn 34; 49.3-7) há muito haviam perdido sua importância ou até haviam desaparecido. Assim, deve-se supor que os diversos agrupamentos de tribos nas listas de 12 nomes espelham, ao menos em parte, uma pré-história diversificada das confederações de tribos.
Especialmente o grupo dos seis filhos de Lia parece ter um passado próprio;
talvez já fosse sedentário na Palestina Central antes de os filhos de Raquel José e
Benjamim imigrarem do Egito, possivelmente trazendo consigo a fé em Javé e introduzindo-a em Israel. Será que Js 24 conserva uma lembrança deste acontecimento? Como a lista com 12 nomes junta tribos do Sul e do Norte, deve ter
havido certos elementos comuns entre todas as tribos, talvez até uma organização
abrangente. Certamente é exagerado afirmar que Judá, no Sul, e as tribos de Efraim e Manassés, com o centro religioso em Siquém (cf. Gn 33.18-20; Js 24 e outras), tiveram uma história comum somente a partir de Davi, pois decerto minimiza demais as relações já existentes na época pré-estatal. Neste caso dificilmente se conseguiria explicar como a fé em Javé conseguiu se impor também no Sul.
As tradições dos patriarcas pressupõem relações bastante estreitas entre Berseba (Gn 26.23ss.) ou Hebrom (Gn 18), no Sul, e Siquém (12.6 e outras), no Norte. Mas será que todas as tradições dos livros de Josué e Juízes que abarcam o Sul (Js 7; 10; Jz 3.9 e outras) só surgiram no tempo da monarquia? Mesmo a descrição de Jz 1 compreende também a distribuição de propriedade em Judá. Talvez a lista dos assim chamados "juízes menores" em Jz lO.1ss.; 12.8ss. até guarde recordações de um cargo de jurisprudência sobre Israel (= tribos do Norte ou sua totalidade?). De qualquer forma, a partir das diversas cidades-estados nas planícies e nas áreas de colonização israelita nas montanhas formou-se gradativamente na Palestina um organismo coeso, da mesma forma como ocorreu com os povos vizinhos de Israel: os amonitas, moabitas e edomitas no Leste e Sudeste, como também os arameus no Norte e Nordeste, que fundaram estados nacionais.
c) A época da monarquia
Também na planície litorânea meridional surgiu uma potência nova que logo se tornou uma ameaça para Israel como um todo: os filisteus. Não eram semitas (por isto são chamados no AT de "incircuncisos"); antes, chegaram à Palestina dentro do movimento migratório dos povos do mar, por sua vez relacionado com a migração dórica. Os filisteus acabaram formando cinco cidades-estados (Gaza, Ascalom, Asdode, Ecron, Gate). E, enquanto que no período dos juízes os ataques de tribos ou povos inimigos ficaram limitados no tempo e no espaço, a hegemonia crescente (cf. Jz 3.31; 13-16) e finalmente duradoura (1 Sm 4ss.; 10.5) dos filisteus, com seu superior armamento de ferro (cf. 13.19s.; 17.7), obrigou todo o Israel a agir em conjunto sob uma liderança permanente, Assim, por volta de 1000 a.c., a monarquia foi instituída por pressão da política externa, surgindo, assim, um Estado (l Sm 8-12; cf. § llc3).
1. A época comum dos dois reinos
O reinado de Saulobteve sucessos iniciais (1 Sm 11; 13ss.), mas acabou tendo um final catastrófico (l Sm 28; 31) e durou pouco. Fracassou ante a ameaça dos filisteus, que só Davi conseguiu conjurar de forma definitiva. Mais uma vez se coloca a pergunta pela ligação entre o Norte e o Sul. Compreendia o reino de Saul - bem como o de seu filho Is-Bosete, que regeu por um curto período transitório após a morte de Saul (2 Sm 2.9s.) - só o que se chamou mais tarde de Reino do Norte, sem Judá? De qualquer modo, o poder de Sau1 se estendia também para o Sul. Davi, da família de Jessé, de Belém em Judá, foi levado para a corte de Saul em Gibeá, ao norte de Jerusalém (1 Sm 16.14ss.; cf. 22.6), e Saul perseguiu Davi, que se havia cercado de um bando de mercenários, até o Sul, porque Davi tinha mais sucesso que ele (1 Sm 22ss.), o que o deixava invejoso.
Depois de um curto interregno, Davi se tomou rei - primeiro em Hebrom sobre a casa de Judá (2 Sm 2.1-4), mais tarde, através de um acordo, também sobre as tribos setentrionais (5.1-3). A investidura no cargo acontecia mediante unção, que os representantes do povo (2.4; 5.3), ocasionalmente também o profeta, efetuavam em nome de Deus (2 Rs 9; cf. 1 Sm 10.1; 16.13). Assim o rei é o "ungido" de Javé (mashiah, "messias": 2 Sm 23.1s.; SI 2.2; 20.6 e outras), tomando-se, pois, intocável (l Sm 24.7,11). Ademais é considerado filho de Deus, mesmo que por adoção (SI 2.7; 89.27s.; 2 Sm 7.14). A ele cabe governar o mundo (SI 2; 110), e sua "justiça" se estende para além do âmbito social, inclusive para dentro da natureza (SI 72).
Davi unificou em sua pessoa não apenas tribos do Sul e do Norte, mas também integrou em Israel as cidades-estados cananéias ainda independentes. Além disso, com seu exército permanente subjugou em graus variados os povos vizinhos, como os filisteus no Oeste, os amonitas, moabitas e edomitas no Leste, e até os arameus no Norte (2 Sm 8; 12.30), de modo que conseguiu formar no âmbito sírio-palestinense um grande reino, para o qual ele e seu sucessor também providenciaram a organização necessária (§ 3c).
Dentro desta expansão de poder um passo foi de suma importância para o período subseqüente e também para a fé de Israel: Davi mandou seus mercenários
conquistar a cidade cananéia, mais precisamente jebusita, de Jerusalém, que se localizava como que em território neutro entre o Reino do Norte e o do Sul. Elevou a cidade à categoria de residência (2 Sm 5.6ss.) e ao mesmo tempo com o translado da arca (2 Sm 6) - transformou-a no centro cúltico da fé em Javé.
Por meio de intrigas na corte e da decisão autoritativa de Davi, Salomão tomou-se sucessor no trono (l Rs 1). Erigiu um templo na capital (1 Rs 6-8). Para tanto se beneficiou de suas relações comerciais internacionais (9.11,26ss.; 10), que propiciaram um tempo de paz e provavelmente também criaram as condições necessárias para a "sabedoria" de Salomão (3; 5.9ss.; v. abaixo § 27,1). O templo, que mantinha uma relação estreita com o palácio real, obteve a dignidade de santuário real (cf. Am 7.13), onde atuavam sacerdotes considerados funcionários públicos (l Rs 4.2). A nova crença de que Javé habita no templo (8.12s.) ou no monte Sião (Is 8.18; SI 46; 48; v. abaixo § 25.4s.) não reprimiu exageradamente as lembranças do tempo de vida nômade? Ao lado dos outros santuários do país, Jerusalém parece ter sido o lugar onde concepções de outras religiões - p. ex., do monte de Deus (SI 48.3 [48.2]), da corte divina (29; 89.6ss. [89.5ss.]), da realeza de Deus (47; 93ss.; Is 6), da luta contra o dragão (SI 77.17ss. [77.16ss.]), mas também da criação do mundo (8; 24.2; 104 e outras) - se infiltraram no javismo e foram remodeladas para configurar enunciados da própria fé.
2, A épeca dos reinos separados, especialmente do Reino do Norte, Israel
Já durante o reinado de Salomão, o grande reino criado por Davi começou a ruir nas suas bordas (1 Rs l1.14ss.; 23ss..), soçobrando depois da sua morte. A antiga oposição entre o Norte e o Sul, fomentada por levantes já durante a vida de Davi e Salomão sob o lema: "Que parte temos nós com Davi?" (2 Sm 20.1; 1 Rs 12.16; cf. l1.26ss.), irrompeu de novo e definitivamente por ocasião da assim chamada divisão do reino (926 a.Ci; 1 Rs 12). Ainda dois séculos mais tarde esta divisão foi entendida pelo profeta Isaías (7.17) como dia do juízo.
Judá no Sul, cem a capital Jerusalém, e Israel no Norte mantiveram daí em
diante sua respectiva autonomia política. Quanto ao tempo de reinado de Davi e Salomão só se sabe que, em números arredondados, cada qual governou por 40 anos (l Rs 2.11; 11.42). Só com a assim chamada divisão do reino começa uma cronologia relativamente exata, dentro da qual ocorrem apenas pequenas variações numéricas, já que, por um lado, a partir de então se comparam, no livro dos Reis, a duração dos reinados dos governantes do Reino do Norte com a duração dos reinados dos governantes do Reino do Sul (§ llc4) e, por outro lado, a história de Israel imerge mais na história contemporânea vétero-oriental por nós conhecida (l Rs 14.25s.; 2 Rs 3 e outras).
Além do 1~;aiS, com o surgimento da monarquia começam a aparecer as fontes escritas: primeiro, as histórias da ascensão e da sucessão de Davi no trono (§ llc3), depois as "crônicas" oficiais dos reis (l Rs 11.41; 14.19 e outras). Sobretudo parece ter surgido na época de Salomão a fonte javista e, um a um e meio século depois, a fonte eloísta do Pentateuco.
A dinastia de Davi governou inconteste por mais de três séculos no Reino
do Sul, continuando sua residência a ser naturalmente Jerusalém, onde se localizava o santuário real. O Reino do Norte carecia de centros cultuais correspondentes; por isso parece menos consolidado. A capital mudava: Siquém, Pcnuel (1 Rs 12.25), por mais tempo Tirza (14.17; 15.21,33 e outras), por fim e defmitivamente Samaria, uma colina antes desabitada, que Onri comprou por volta de 880 a.c. (16.24; cf. 2 Sm 24.21ss.). Desta forma a nova residência se tomou propriedade do rei, assim como acontecera com Jerusalém.
Embora também no Reino do Norte se tentassem estabelecer dinastias como
que naturalmente (l Rs 15.25; 16.8,29 e outras; já 2 Sm 2.8s.), estas eram interrompidas mais cedo ou mais tarde, derrubadas por insurreições violentas (l Rs 15.27; 16.9 e outras). Ocasionalmente o movimento profético parece ter desencadeado a subversão, designando o novo governante (p. ex., a revolução de Jeú, 2 Rs 9s.; cf. a apresentação esquematizada em 1 Rs 11.29ss.; 14.14 e outras). Em todo caso, a monarquia encontrava severos críticos entre os profetas.
Entre os regentes do Reino do Norte vários se destacam: o primeiro governante Jeroboão I (926-907) parece ter emancipado Israel em termos cúlticos, elevando Betel e Dã à condição de santuários do reino (1 Rs 12.26ss.; cf. Am 7.10,13). Onri (razão pela qual os assírios puderam chamar o Reino do Norte de "casa de 000") e seu filho Acabe (por volta de 880-850) promoveram o sincretismo, para possibilitar a integração da população cananéia. A tolerância e até o apoio dado à religião de Baal (l Rs l6.3ls.) provocaram a oposição dos profetas, especialmente de Elias (v. abaixo § 13d).
Jeú (845-818) chegou ao poder mediante uma revolução apoiada por grupos fiéis a Javé. Embora combatesse as tendências sincretistas da corte (2 Rs 9s.), é mais tarde repudiado pelo profetas Oséias, por causa das matanças que promoveu (1.4:,,). Jeú fundou a dinastia real mais duradoura, que, no entanto, mal governou um SéCUlO. Dela faz parte Jeroboão TI (787-747), durante cujo reinado parece ter ocorrido mais uma época áurea (2 Rs l4.25ss.). No último quartel de século os usurpadores se sucederam rapidamente (entre eles Menaém, Pecaías, Peca), até a derrocada final do Reino do Norte durante o reinado de Oséias em 722 a.c. (2 Rs 17).
Na política interna o desenvolvimento deste Estado foi determinado pelo grande contingente populacional cananeu, que tinha concepções políticas, jurídicas,
sociais e religiosas próprias. Na política externa importava, num primeiro momento, definir limites territoriais claros com Judá no Sul. Entre ambos os estados-irmãos só temporariamente houve um relacionamento amistoso; repetidas vezes houve escaramuças na fronteira, na disputa pela região benjaminita ao norte de Jerusalém (1 Rs 14.30; 15.16ss.; 2 Rs 14.8ss.).
Um adversário muito mais perigoso e implacável, porém, se levantou no Norte. Já no tempo de Salomão o Estado arameu de Damasco alcançou sua independência (1 Rs 11.23s.), logo envolvendo Israel em combates fronteiriços (15.20) e, durante a segunda metade do século IX, em pesadas guerras (20; 22; 2 Rs 6s.; 8.12; 13; Aro 1.3s. e outras). Sossego Israel apenas encontrou quando os assírios enfraqueceram o poder de Damasco, mas não interferiram, por algumas décadas (ca. 800-750), no cenário sírio-palestinense, de sorte que Israel conseguiu recuperar áreas perdidas (2 Rs 13.25; 14.25,28). Mas já no [mal desta mesma época (a partir de 760 mais ou menos) os profetas Amós, Oséias e Isaías prenunciavam o "fim" de Israel.
Já no século IX os assírios haviam reclamado a posse da Síria (854/3, batalha em Carcar, junto ao rio Orontes, contra uma coalizão de pequenos estados, inclusive Israel), mas só a partir de 740 a.c. esta potência militar, tão ameaçadora para Israel e famigerada por sua truculência (cf. Is 5.26-29; Na 2), avançou em direção ao Sul. A sujeição do Reino do Norte aconteceu em três etapas, características para a política expansionista assíria: cada etapa superava a anterior em termos de brutalidade:
1. Pagamento de tributo por Menaém em 738 a.c. (2 Rs 15.19s.).
2. Redução do Estado: em 733/2 a.C. a região setentrional de Israel foi
desmembrada e transformada em três províncias: Dor, Megido, Gileade (2 Rs
15.29); também foi instalado um governante títere, subserviente a Assur (Oséias).
3. Incorporação do Estado mutilado restante (Efraim) no sistema provincial assírio e conseqüente supressão do último resquício de autonomia política, deportação da classe alta autóctone e instalação de uma elite estrangeira (722 a.C; 2 Rs 17).
Assim, as tentativas dos estados pequenos de se livrarem da vassalagem apenas os afundavam em uma dependência cada vez maior, levando-os ao segundo e, depois, ao terceiro estágio. Neste contexto se insere a assim chamada Guerra Siro-Efraimita (por volta de 733 a.C.), que Damasco (Síria) sob Rezim e Israel (com o centro em Efraim) sob Peca, o "filho de Remalias"(Is 7.2,9), travaram contra o Reino do Sul, Judá, para forçá-lo a integrar uma coalizão antiassíria e derrubar o davidida Acaz, que se opunha a tal intento (2 Rs 16.5; Is 7) - sem, no entanto, obterem sucesso. Os assírios invadiram Israel, que acabou no segundo estágio de dependência, e pouco tempo depois destruíram Damasco (2 Rs 16.9). Judá escapou, mas teve que sujeitar-se a pagar pesados tributos, tomando-se vassalo assírio (16.8,lOss.).
No ano de 722 a.C; depois de três anos de cerco, caiu Samaria - o que significou o fim da história do Reino do Norte, do antigo núcleo territorial da fé em Javé! As tradições do Norte de Israel (como a mensagem de Oséias, provavelmente também o relato do Eloísta e talvez uma forma primitiva do Deuteronômio) migraram para o Reino do Sul, que adotou o nome de "Israel". Aí se situa agora o centro gravitacional também para as futuras criações literárias. Visto que os assírios - ao contrário do que fizeram os babilônios apenas um século e meio depois - dispersaram a elite deportada (2 Rs 17.6), perdem-se seus rastros. Da população que ficou no país, misturada com estrangeiros reassentados à força (17.24; cf. Ed 4.2), surgiram mais tarde os samaritanos.
3. A época do Reino do Sul, Judá
Os reis assírios determinaram por cerca de um século primeiramente a
história de ambos os reinos, depois a do Reino do Sul apenas:
Tiglate-Pileser (III) 745-727 sob o nome babilônico de PuI
Salmaneser (V) 726-722
Sargom (lI) 721-705
Senaqueribe 704-681
Asaradon
Assurbanipal
30
680-669
668-631(?)
2 Rs 15.29; 16.7,10
2 Rs 15.19
2 Rs 17.3; 18.9
Is 20.1
2 Rs 18.13; 19.20,36
= Is 36.1; 37.21,37
2 Rs 19.37 = Is 37.38
Mesmo que a sorte dos povos subjugados pudesse servir de alerta para os outros pequenos estados, irrompiam constantemente rebeliões como o levante de 713-711 a.C., que irradiou-se da cidade filistéia de Asdode, contagiando também aJudá (Is 20). Nas tentativas de libertar-se da hegemonia assíria procurou-se garantir a ajuda do Egito, onde reinava a dinastia etíope (Is 18) sob o faraó Sabaca. Este arranjo político triangular - a grande potência de Assur, o Egito e os pequenos estados, inclusive Judá - é pressuposto nas palavras da época tardia de Isaías, nas quais o profeta ameaça com a derrota do Egito e de seus protegidos (especialmente Is 30.1-3; 31.1-3).
Depois que Senaqueribe ascendeu ao trono, o rei Ezequias até liderou uma
conspiração. (A partir deste contexto, a libertação da dependência assíria, poderse-ia explicar também a reforma do culto [2 Rs 18.4]). Os assírios reagiram no ano de 701 aC., ocupando o país e sitiando Jerusalém. Mas, por motivos que não podemos mais decifrar por inteiro, Senaqueribe desistiu de conquistar a cidade e se satisfez em cobrar um tributo e restaurar a relação de vassalagem (2 Rs 18.13-16; cf. SI 46.6? [46.5?]). Em meio ao júbilo geral, Isaías convocou o povo a manifestar seu luto (22.1-14). Judá parece, embora só por tempo limitado, ter sido separado da capital e repartido entre estados filisteus leais aos assírios (conforme o relato de Senaqueribe; cf. Is 1.4-8).
Embora os assírios conseguissem subjugar até o Egito por volta de 670 (cf. Na 3.8), seu poder foi lentamente corroído após 650 a.c.. Nas décadas turbulentas que se seguiram, passou a atuar, ao lado de Naum, Habacuque e Sofonias, o profeta Jeremias. Depois do longo reinado de Manassés, vassalo da Assíria, Josias (639-609 a.C) conseguiu reconquistar a autonomia política, inclusive resgatar parte do antigo Reino do Norte, durante o declínio da hegemonia assíria. Este curto período de liberdade possibilitou a reforma em que se introduziu o Deuteronômio ou sua forma primitiva, como uma espécie de lei estatal, depurou-se o culto, excluindo elementos alienígenas e proclamou-se Jerusalém santuário exclusivo em Israel (622 a.Cc; 2 Rs 22s.). Mesmo que esta reforma seja de importância decisiva para a compreensão de amplas partes do AT, sua historicidade é objeto de controvérsia (v. abaixo § lOa,5).
Nos anos de 614-612 Assur e Nínive sucumbiram diante dos ataques conjuntos dos medos (ao redor de Ecbátana no Noroeste do Irã) e dos caldeus ou neobabilônios (que empreenderam uma restauração do império vetero babiIônico
sob o culto de Marduque). O faraó Neco tentou evitar a queda do império assírio. Foi durante esta campanha que o rei Josias (609 a.C.) perdeu sua vida em Meguido, e seu sucessor Jeoacaz foi banido pouco tempo depois para o Egito (2 Rs 23,29ss.; 2 Cr 35.20ss.; Jr 22.lOss.). Mas Nabucodonosor derrotou o exército egípcio (em Cárquemis junto ao rio Eufrates, 605 a.C) e assim conquistou a Síria/Palestina para a Babilônia.
Quando um filho de Josias, Jeoaquim (608-598), ousou suspender o pagamento de tributos, Nabucodonosor mandou sitiar Jerusalém. Neste meio tempo morreu Jeoaquim. Seu filho e sucessor Joaquim só conseguiu governar por alguns meses e, por ocasião da primeira conquista de Jerusalém, em 597 a.c., teve de seguir para o exílio, acompanhado pela família real, classe alta e por artesãos (2 Rs 24.8ss.) - entre eles, o profeta Ezequiel. Mesmo assim parece que Joaquim em certos círculos continuou sendo considerado rei legítimo (cf. a datação em Ez 1.2); mas as esperanças que se associavam à sua pessoa, não se concretizaram (Jr 22.24ss.).
Porém a última notícia que a Obra Historiográfica Deuteronomística nos dá a respeito de Joaquim (2 Rs 25.27ss.) é a de que foi indultado. Nabucodonosor tratou Jerusalém com clemência e instalou como regente um novo davidida, Zedequias (597-587 a.c.; 2 Rs 24.17). Mas Zedequias avaliou erroneamene a situação política e denunciou de novo a vassalagem, desconsiderando os alertas de Jeremias. Por isto Jerusalém foi sitiada pela segunda vez e ocupada em 587 (ou 586?) a.c. Só então os babilônios tomaram medidas drásticas, sim, até cruéis (2 Rs 25).
o acontecimento significou uma ruptura profunda em quatro sentidos:
- houve a perda definitiva da autonomia política (até o tempo dos macabeus);
Judá tomou-se província babilônica, depois persa;
- terminou a monarquia davídica (apesar da predição de Natã em 2 Sm 7);
- foram destruídos o templo, o palácio e a cidade (apesar da tradição de Sião em SI 46; 48);
- foi expulsa da terra prometida, deportada a elite restante (juntamente com os utensílios do templo).
Com isto tinham se cumprido as previsões proféticas de desgraça; porém a história do povo de Deus seguiu o seu curso.
d) A época exílica/pós-exílica
Ao contrário do costume assírio, os babilônios não instalaram uma elite estrangeira na Palestina, de modo que no Reino do Sul também não penetraram cultos religiosos alienígenas, ao contrário do que ocorrera no Reino do Norte apenas um século e meio antes (2 Rs 17.24ss.). Além do mais, os babilônios permitiram que a população deportada vivesse junto (cf. Ez 3.15). Os exilados podiam construir casas, cultivar jardins (Jr 29.5s.) e, ao que parece, eram representados pelos "anciãos" (Ez 20.1 e outras). Apesar das várias deportações, a maioria da população provavelmente permaneceu na Palestina (cf. 2 Rs 25.12). Em todo caso, Israel (isto é, os judaítas) ou, como também podemos afirmar depois desta ruptura, o judaísmo existia em dois meios: na Palestina e na gola (no exílio), ou seja, na diáspora.
Comunidades na diáspora surgiram não apenas na Babilônia, mas por várias razões também no Egito. Depois da destruição de Jerusalém os babilônios instalaram o judaíta Gedalias como governador sobre os israelitas não exilados (com sede em Mispa); após seu assassinato, um grupo de judaítas fugiu para o Egito (2 Rs 25.22ss.; Jr 40ss.). As múltiplas perdas externas trouxeram um ganho interno, na medida em que o tempo do exílio tornou-se uma época extremamente fecunda em termos literários: as Lamentações (como também SI 44; 74; 79; 89.38ss.; Is 63.7ss. e outras) deploravam a situação vigente no país.
Ali atuava a escola deuteronomística que concebeu a Obra Historiográfica Deuteronomística como uma espécie de confissão de culpa. Além disso também transmitiu e retrabalhou a tradição dos profetas, principalmente a de Jeremias. Em contrapartida é mais provável que o Escrito Sacerdotal tenha surgido no exílio, onde também atuaram os profetas Ezequiel e Dêutero-Isaías (Is 40-55).
Enquanto que até então os centros de poder do Antigo Oriente se localizavam
no Egito e na Mesopotâmia, a partir de mais ou menos 550 a.c. o domínio mundial passou a ser exercido por outras potências que, vindas de fora, invadiram o espaço do Antigo Oriente: por dois séculos o domínio passou às mãos dos persas. O último governante babilônico, Nabônides, que, ao contrário dos sacerdotes de Marduque da Babilônia, incentivava o culto do deus da lua.Sin (em Harã), residiu por dez anos na cidade-oásis de Tema no deserto do Norte da Arábia, transferindo os negócios de governo ao seu filho Belsazar. Em Dn 5, num relato em forma de saga, Belsazar é considerado o último rei da Babilônia antes do domínio dos persas.
A ascensão fulgurante do persa Ciro (559-530) sucedeu em três etapas: o estabelecimento de um grande império medo-persa (tendo Ecbátana por capital), a subjugação da Ásia Menor pela vitória sobre o rei da Lídia, Creso, e a entrada na Babilônia (539 a.C). O segundo acontecimento parece se refletir na mensagem do profeta do exílio Dêutero-Isaías (v. abaixo § 21,1). Os primeiros reis persas respeitavam as tradições dos povos subjugados e incentivavam os cultos autóctones. Condiz bem com esta atitude que já depois de um ano (538) Ciro teria ordenado que o templo em Jerusalém fosse reconstruído e que os utensílios do templo, levados para a Babilônia, fossem devolvidos.
O edito foi conservado em Ed 6.3-5 (v. abaixo § 12b) em aramaico, que se tornou a língua oficial da parte ocidental do império persa e suprimiu mais e mais o hebraico como língua popular. O retorno só aconteceu paulatinamente e em sucessivas levas (segundo Ed 2, sob Zorobabel, segundo 7.12ss., sob Esdras; cf. 4.12). Muitos ficaram no exterior, onde sua situação econômica era próspera. A reconstrução do templo ocorreu apenas de 520 a 515 a.C., por insistência dos profetas Ageu e Zacarias (v. abaixo § 22).
No tempo de Ciro destacou-se Sesbazar, que foi encarregado de entregar os
utensílios do templo e, pelo que consta, também colocou a pedra fundamental do santuário (Ed 5.14ss.; 1.7ss.). Era funcionário persa assim como Zorobabel, neto do rei Joaquim (banido em 597 a.C.), que atuou um pouco mais tarde. Em Zorobabel se
depositaram mais uma vez esperanças messiânicas (Ag 2.23; Zc 6.9ss.), que, no entanto, não se cumpriram. Os séculos V e IV são uma época relativamente desconhecida, em que se destacam apenas alguns poucos acontecimentos isolados. Por volta de 450 a.C.
Esdras e Neemias cuidaram - o primeiro preocupado com o cumprimento rigoroso da lei e o segundo, com a construção do muro ao redor de Jerusalém - para que houvesse a consolidação interna, embora o preço fosse um isolamento rígido (v. mais detalhes abaixo, § 12b). Provavelmente foi mais ou menos no mesmo período que atuou também o profeta Malaquias (v. abaixo § 22,4). Depois de dois séculos de hegemonia persa (539-333 a.C), Alexandre Magno inaugurou com a vitória de Isso (333) a era helenística. E após a morte de Alexandre (323), nas disputas dos diádocos, a Palestina foi submetida por um século ao domínio do reino (egípcio) dos ptolomeus (301-198), para depois ser integrada ao reino dos selêucidas (198-64 a.C).
Um fato marcante foi, após a ascensão ao trono do selêucida Antíoco IV Epífanes, a rebelião dos macabeus em repúdio a cultos estranhos. Um pouco antes da reinauguração do templo em 164 a.C. surgiu o livro de Daniel (§ 24). No ano de 64 a.C, a Palestina caiu sob o domínio romano. No ano de 70 d.C. Jerusalém e o templo foram destruídos pela segunda vez, e, depois do levante de Sirneão-Bar Cochba em 132-135 d. C, nenhum judeu podia mais entrar na cidade, agora denominada Aelia Capitolina.