O AT se formou dentro da história e se
refere, na maioria de seus enunciados, à história. Todavia, sua exposição
constitui um testemunho de fé que não conserva a tradição em sua configuração
original, "historicamente pura", mas a relaciona com o respectivo
momento histórico, modificando-a com isso ao mesmo tempo.
Por isto compete ao
historiador desentranhar a história de Israel de forma crítica do AT. Esta
reconstrução se baseia num passo metodológico triplo: 1) análise das fontes, inclusive
da tradição oral nelas contida; 2) identificação e avaliação de material
compa-rativo extrabíblico do Antigo Oriente e 3) com especial cautela,
inferências sobre acontecimentos históricos. Tradições fixadas por escrito
aparecem, em Israel, de forma mais ampla somente a partir da época da
monarquia; lembranças de épocas anteriores eram transmitidas oralmente, muitas
vezes em forma de sagas. A localização das fontes, mas também a diversidade da
metodologia aplicada fazem com que, sobretudo no âmbito da pré-história e da
história dos primórdios de Israel, muitas vezes se alcancem apenas resultados
controvertidos. Israel só se confi-gura como grandeza coesa, sujeita a
inferências históricas, depois da imigração em Canaã; sua auto compreensão,
porém, se baseia em tradições dos tempos anteriores ao assentamento.
Considerando-se este fato,
podemos dividir a história de Israel a grosso modo em cinco ou seis épocas
(sendo possível, por exemplo, fundir a 4ª e a 5ª fase em uma única), para
termos uma visão melhor:
I. Pré-história nômade
II. Época pré-estatal
III. Época da monarquia
IV. Exílio
v. Época pós-exílica
VI. Era do helenismo
séculos XV(?)-Xm
séculos XII-XI
ca. de 1000-587
587-539
a partir de 539
a partir de 333
Claro que neste apanhado
geral e sucinto não nos propomos apresentar os proble-mas muitas vezes
complexos da historiografia e expor os múltiplos detalhes da história de Israel
em suas relações com o contexto do Antigo Oriente. Pretendemos, isso sim, delinear
apenas um quadro referencial dos fatos de máxima importância para compreen-der
o M.
a) A pré-história nômade
A fase histórica que
pressupõe o surgimento de uma escrita começou no Antigo Oriente já no início do
terceiro milênio a.C. Quando Israel entrou no palco da história, povos
vétero-orientais, portanto, já tinham um longo passado atrás de si, em que
Israel se sente incluído (Gn 10). Contudo, os antepassados de Israel (apesar de
Gn 11.28ss.; 12.4s.) dificilmente vieram do âmbito das culturas altamente
evoluídas da Mesopotâmia e do vale do Nilo. Gn l1.20ss. menciona nomes próprios
como Naor ou Harã, cuja existência como topônimos é comprovada no noroeste da
Mesopotâmia; também no próprio AT Harã aparece como topônimo (Gn Il.Sls.;
12.4s.; 28.10). Todavia, é pouco provável que os ancestrais de Israel sejam
oriundos daquela região, muito menos da mais distante Ur (11.28,31).
Houve, isto sim, relações de
parentescocom aquela população (27.43; 22.20ss.; 24.4ss.) como também as houve
com os vizinhos mais próximos no Leste e Sul: Amom, Moabe (l9.30ss.) e Edom
(36.10ss.), que surgiram do movimento migratório aramaico. Os antepassados de
Israel integravam provavelmente aqueles grupos aramaicos que no decorrer
do tempo adentraram a terra cultivada fértil em levas, provindas alternadamente
do deserto ou da estepe. Os parentes de Abraão são considerados arameus (Gn
25.20; 28.5; 31.18,20,24 e outras) e o credo preservado em Dt 26.5 afirma
inclusive a respeito do ascendente de Israel: "Meu pai era um arameu
errante." Ao que parece os antepassados de Israel falavam originalmente aramaico
e adotaram a língua local, o hebraico, somente depois do assentamento.
Até mesmo o nome de Deus,
Javé, provavelmente é aramaico (hwh, "ser") e
significa "ele é, mostra-se (eficaz,
prestativo)", o que é retomado pela interpretação de Êx 3.12,14: "Eu
serei (contigo)." Por volta da segunda metade do segundo milênio a.C.
surgiram as três tradições constitutivas para a autocompreensão do
posterior povo de Israel: a promessa aos patriarcas, a libertação da servidão
no Egito e a revelação junto ao Sinai. Na versão [mal que temos no AT do
complexo processo traditivo, difícil de se acompanhar em seus pormenores, as
tradições formam um continuum histórico: os patriarcas Abraão, Isaque e
Jacó se inserem numa seqüência genealógica, os filhos de Jacó se multiplicam e
constituem no Egito o povo de Israel (Êx 1.7), e Moisés representa a figura de
ligação na abrangente seqüência de acontecimentos que vai desde a opressão no
Egito, passando pela estada junto ao Monte Sinai, até a migração para a
Transjordânia (Dt 34).
A fé compreende o passado
como atuação do único Deus em favor de um único povo, que é
conduzido por desvios, mas em conjunto, para a terra prometida.
A partir deste ponto de chegada a fé
israelita vê a história de forma mais unitária do que ela se apresenta numa retrospectiva
histórica. Desde o livro de Êxodo até o livro de Josué, as tradições foram
submetidas posteriormente a uma "orientação pan-israelita" (M. Noth);
ou seja, originalmente não tratavam do ovo inteiro. De maneira
mais adequada as sagas do livro de Juízes descrevem a época posterior ainda
como história de tribos.
Quando então investigamos de
forma crítica o transcurso histórico, temos de destacar, num primeiro momento, a
camada interpretativa pan-israelita que marca profundamente as tradições do Pentateuco.
Além disto o historiador deve verificar a seguinte questão: com a história dos
grupos familiais do tempo dos patriarcas e com a história do povo, que começa
na época de Moisés, ou até com as tradições do êxodo e do Sinai não se fundem
diversas tradições de outro meio e conteúdo, que remontam a episódios
vivenciados por grupos independentes entre si? Isto constitui um dos problemas
principais da historiografia; qualquer reconstrução da história desta época não
passará de um tatear no escuro.
1. Particularmente
sobre a religião dos patriarcas só podemos tecer conjeturas. A solução
clássica (A. Alt, 1929), hoje mais e mais questionada, detectou um tipo
especial de religião da família ou do clã, que se enquadra bem na forma
de vida dos nômades: a fé no "Deus dos
pais".
O "Deus de
Abraão", o "Temor (parente?) de Isaque" ou também o
"Poderoso de Jacó" (Gn 31.29,42,53; 46.1; 49.24s.) não se vinculavam
a nenhum santuário provido de sacerdotes, mas se revelavam - sempre
individualmente - ao líder de um
clã migrante, prometendo-lhe orientação no
caminho, proteção, descendência e a posse de terras (12.7; 28.15,20 e outras).
Todavia, Israel estendeu a promessa de terra a toda a Palestina e ampliou a
promessa de um filho para a promessa de tomar-se um povo (15.4ss. e outras).
Segundo a exposição de
Gênesis, os patriarcas se assentavam, durante suas migrações, em certos locais
sagrados, onde lhes eram concedidas revelações de Deus (v. abaixo § 5b3).
Presumivelmente os grupos patriarcais se fixaram nos arredores destes mesmos
lugares: Abraão, perto de Hebrom (Gn 13.18; 18; 23), Isaque, perto de Berseba,
no Sul (24.62; 25.11; 26.23ss.), Jacó, tanto na Transjordânia, em Peniel e em
Maanaim (32.2,23ss.), como também na Cisjordânia,
em Siquém e Betel (28.lOss.; 33.19ss.;
35.1ss.). Desta diversidade de locais onde se fixaram os patriarcas concluímos
que os grupos originalmente viviam separados uns dos outros. Por conseguinte,
Abraão, Isaque e Jacó provavelmente só foram vinculados numa cadeia genealógica
posteriormente, quando os distintos grupos e tribos se uniram ou até - ao mais
tardar, caso isto não seja tarde demais - quando se fundiram num Estado.
Através do comércio, por
ocasião da transumância ou de visitas aos santuários de peregrinação, muito
mais intensamente depois do assentamento, os seminômades se encontraram com os cananeus
nativos e identificaram os deuses dos patriarcas com as manifestações do
deus EI nos santuários da terra cultivada,como o El-Betel, "Deus (de) Betel",
em Bete! (Gn 35.7; cf. 31.13), ou o EI-0Iam, "Deus (da) Eternidade",
em Berseba (21.33; cf. 16.13 e outras).
Em um estágio subseqüente,
as divindades dos patriarcas e de El foram identificadas 20 com Javé, o
Deus de Israel (Êx 3.6,13ss.; 6.2s.; cf. Js 24.23). Este fenômeno não significava
uma distorção da fé em Javé por elementos alienígenas, porque já o Deus dos
patriarcas, com a sua palavra que apontava para o futuro, estava voltado para
os seres humanos e com isto para a história, e era adorado de modo
"monolátrico", quer dizer, como Deus único dentro de cada clã.
2. Também
a saída do Egito, que se tornou a confissão de fé fundamental para
Israel (Êx 20.2; Os 13.4; Ez 20.5; SI 81.11 e outras), se apresenta como cumprimento
de uma promessa (Êx 3s.; 6). Segundo todos os indícios históricos, porém, só
houve um único grupo que esteve no Egito e que mais tarde foi absorvido pelo
povo de Israel, mais precisamente, ao que parece, pelo Reino do Norte.
Sob estas restrições,
contudo, a tradição contém um núcleo histórico confiável. Os antepassados de
Israel, que muito provavelmente foram forçados pela carestia a migrarem para o
Egito (Gn 12.10; 42s.), foram submetidos ali a trabalhos forçados, participando
na construção das "cidades-celeiros" Pitom e Ramsés (Êx 1.11). Este
dado nos remete ao século XIII a.C; quando Ramsés 11 mandou erguer uma nova
capital ("casa de Ramsés") no delta ocidental, na fronteira nordeste
de seu reino. Quando o grupo de trabalhadores fugiu (cf. 14.5), foi perseguido,
mas salvo - talvez por uma catástrofe natural. O testemunho mais antigo deste
episódio é um cântico que descreve este acontecimento não como vitória de
Israel, mas exclusivamente como feito de Deus, realizado sem auxílio humano:
"Cantai a Javé; pois alto se ergueu, cavalo
e condutor (de carro de combate) ao mar atirou." (Êx 15.21; cf.
14.l3s.25.) Tanto a versão traditiva em forma de hino (Êx 15) como a versão em
prosa (14) antecipam dois traços básicos da fé veterotestamentária, que - ao
lado da adoração exclusiva a Javé e da proibição de imagens (Êx 20.2ss. e outras)
a marcam até a época tardia: a fé se reporta a feitos de Deus na história e professa
o Deus que liberta da aflição.
Todavia, a lembrança destes
acontecimentos, seja da opressão (Êx 1.15ss.;
5), seja da libertação (14.23,26, 28s.P;
15.8ss.; SI 136.13ss.; Is 51.9s. e outras), foi pintada com cores sempre mais
fortes no decorrer do tempo. Os milagres das pragas e da noite da Páscoa, que
obrigam o faraó a "deixar ir" Israel, em última análise são
simbólicos: filhos e netos, sim, todo o mundo deve saber o que Javé fez (Êx
9.16; 10.2). Por ocasião da última desgraça com que Deus golpeia os egípcios, a
matança dos primogênitos humanos e animais, só é "poupado" quem se
garante por meio de um rito de proteção. Esta praga revela algo da origem da
Páscoa, que remonta aos tempos nômades. nata-se de um antigo rito apotropéico
(aspersão das entradas das casas ou das tendas com sangue ovino, consumo de
carne assada), através do qual os pastores protegiam a si e a seus rebanhos
contra um demônio do deserto, o "exterminador" (Êx 12.23; cf. Hb
11.28).
Em Israel, a Páscoa adquiriu
um novo caráter:vinculadacom a festa dos Massoth, a festa dos pães asmos,
quando por sete dias se comia apenas pão sem levedura (Êx 13; cf. 23.15;
34.18), tomou-se dia comemorativo do êxodo (12.14 P; cf. Dt 16.3,12 e outras),
servindo assim de motivo para a proclamação (Êx 12.24ss.; 13.8,14ss. e outras)
3. O
nome de Deus, Javé, está vinculado originalmente ao monte Sinai
(Jz 5.4s.; Dt 33.2), e diz-se que Moisés
"subiu a Deus" para conduzir o povo
"ao encontro de Deus" (Êx 19; 24;
cf. 33.12ss.; 1 Rs 19). O monte Sinai, cuja localização exata continua uma
incógnita, ficava na área de migração dos midianitas nômades?
Possivelmente os antepassados de Israel tenham assimilado a fé em Javé pela
mediação dos midianitas (cf. Êx 18.12) ou quenitas (cf. Gn 4.15); em todo caso
a tradição preservou a lembrança confiável de que Moisés era genro de um
sacerdote midianita (Êx 2.16ss.; 18) ou, então, quenita (Jz 1.16; 4.11). Será
que foi desta maneira que Moisés conheceu a fé em Javé, divulgando-a depois
entre aqueles que estavam submetidos à servidão no Egito (cf. Êx 3s.)? Visto
que Moisés tem um nome egípcio cujo significado aproximado é "filho"
-, podemos decerto ver em sua pessoa um elo de ligação entre os territórios do
Egito, de Midiã e da Transjordânia (Dt 34.5s.). O papel de Moisés como mediador
da revelação de Deus junto ao monte Sinai também faz parte do núcleo desta
tradição? Em todo caso, continua controvertido o que "realmente"
aconteceu ali. A perícope do Sinai em sua
forma atual compreende essencialmente três
temas:
- a teofania, isto é, a manifestação de Deus
em um fenômeno natural, seja uma
erupção vulcânica ou uma tempestade (Êx
19.16ss.);
- a assim chamada frrmação da aliança, isto
é, a fundação da comunhão entre Deus
e o povo (Êx 24; 34);
- o anúncio do direito divino (especialmente
em Êx 20-23; 34).
Certamente a teofania faz
parte do acervo primitivo, e muito provavelmente
também o encontro com Deus, que inaugura um
relacionamento duradouro que só mais tarde deve ter sido chamado de
"aliança". Mas a proclamação do direito não constitui um elemento
traditivo originalmente autônomo? Em todo caso, pelo fato de o Decálogo, o
Código da Aliança (Êx 20-23) e também outras coleções de preceitos jurídicos e
normas cúlticas terem sido incluídos na perícope do Sinai, tanto o culto quanto
a ética e as leis de convivência humana são considerados conseqüência do
relacionamento com Deus.
Entre a saída do Egito e a
revelação no Sinai, bem como entre esta e a tomada da terra, foi introduzida a
tradição da "condução pelo deserto". Esta tradição, contudo, não
forma uma unidade coesa, sendo composta por diversas sagas e episódios
isolados. Estesdescrevem essencialmente a salvação de aflições e perigos
durantea peregrinação pelo deserto - a salvação da fome (alimentação com maná e
codornizes: Êx 16; Nm 11) e da sede (água que maria da rocha: Êx 17; Nm 20; cf.
Êx 15.22ss.), mas também da ameaça inimiga (guerra contra Amaleque: Êx
17.8ss.). No atual contexto as tradições distintas testemunham de maneira
exemplar a falta de confiança por parte de Israel nas promessas divinas, que se
expressa nas "murmurações" do povo saudoso das "panelas de carne"
do Egito (16.3; Nm 11).
As diversas tradições locais
do extremo Sul da Palestina (em especial Êx 17)
apontam para um centro geográfico oculto e de
cuja importância o AT apenas conserva uma vaga lembrança (Dt 1.46; 32.51; 33.8;
Nm 13.26; 20 e outras). Os antepassados de Israel se demoraram na região do
oásis de Cades? Os que haviam saído do Egito encontraram-se ali com
outros grupos, eventualmente também da região do Sinai? Durante a caminhada em
direção à terra cultivada este serviu de ponto de parada intermediária decisiva
também para a divulgação da fé em Javé? Neste período da pré-história de
Israel, já bastante próximo da Palestina, há mais perguntas do que respostas
seguras.
b) A
época pré-estatal (tomada da terra e
época dos juízes)
Enquanto na Ásia Menor o
império hitita desmoronava e os grandes impérios do Egito e da Mesopotâmia
experimentavam um declínio no seu poder, na passagem da Idade do Bronze Recente
para a Idade do Ferro, os antepassados seminômades de Israel penetraram na
Palestina e, ao que parece, somente aí formaram tribos organizadas. Este
processo imigratório, propositalmente designado com a expressão neutra "tomada
da terra" (A. Alt), dificilmente se caracterizou (ao contrário de Js
1-12) por atividades guerreiras onde todo o Israel, unido sob uma liderança
comum, tivesse conquistado, passo a passo, todo o país. Tratou-se, antes, de um
processo essencialmente pacífico, gradativo e, ao que parece, demorado de
paulatina sedentarização.
Este processo se deu de
maneira diferente em cada região, como mostram alguns registros, conservados
mais ou menos por acaso. A tribo de Dã tentou primeiro assentar-se na Palestina
Central, mas foi escorraçada para o extremo Norte (Jz 1.34; 13.2,25; 17s.; Js
19.408s.). Provavelmente também a tribo de Rúben (cf. Js 15.6; 18.17;Jz
5.15s.), decerto também as tribos de Simeão e Levi (Gn 34; 49.5ss.) se
assentaram originalmente no âmbito da Palestina Central.
A tribo de Issacar (=
"homem de salário, assalariado") pôde, pelo que sugere o nome,
tomar-se sedentária apenas comprometendo-se a prestar serviços a cidades
cananéias (cf. Gn 49.14s.; também Jz 5.17). A imigração dos distintos grupos
ocorreu presumivelmente também partindo de diversas direções. Judá (ao redor de
Belém) foi ocupada a partir do sul (cf. Nm 13s.), a Palestina Central, ou seja,
as áreas habitadas por Benjamim e a "casa de José", a partir do leste
(Js 2ss.)? Em todo caso, o assentamento ocorreu primeiro nas áreas montanhosas,
menos populosas (cf. Js 17.16; Jz 1.19,34). As localidades fortificadas das
planícies, que constituíam cidades estados politicamente independentes e
dispunham, graças aos seus carros de combate, de armamento superior, não
puderam ser conquistadas, como comprova a assim chamada "relação negativa
de posse" (Jz 1.21,27ss.), altamente significativa para a reconstrução dos
primórdios de Israel.
Desta maneira surgiram
quatro áreas de ocupação israelita que estavam interligadas
apenas parcialmente: os dois centros eram formados pela' 'casa de José" na
Palestina Central e Judá no Sul, como também os territórios mais periféricos da
Galiléia no Norte (Aser, Zebulom, Naftali, Issacar) e a Transjordânia (Rúben,
Gade). Entre as três áreas de assentamento na Cisjordânia inseriam-se dois
cinturões de cidades-estados cananéias fortificadas: o cinturão setentrional
passava pela planície de Jezreel (Jz 1.27; Js 17.14), e o meridional ia de
Jerusalém em direção ao oeste (Jz 1.21,29.35). Porém estas duas barreiras transversais
dificilmente significavam uma separação rigorosa das diversas regiões de
"Israel".
Durante a época dos juízes -
isto é, um pouco mais tarde - indivíduos e também tribos da Palestina Central e
da Galiléia tinham oportunidades de se encontrarem (Jz 4s.; 6s.). Existiam
também contatos com Judá no Sul (compare Js 7.1,16; 15.16 com Jz 3.9;
eventualmente 12.8)? À tomada da terra, concluída por volta do século XII a.C;
seguiu-se a progressiva expansão e consolidação da posse da terra. Parece
que somente este período, em que "Israel se tornou mais forte" (Jz
1.28), é marcado em medida maior por confrontos bélicos com as cidades-estados
cananéias, especialmente pela assim chamada batalha de Débora (Jz 4s.; cf.
1.17,22ss.; Js lOs.; Nm 21.21ss.; mas também Gn 34). Os cananeus foram
submetidos a trabalhos forçados (Jz 1.28ss.; Js 9) e assim paulatinamente
integrados, de modo que Israel pôde assimilar concepções religiosas da
população autóctone.
Não era natural que Israel
mantivesse os costumes que desde tempos imemoriais estavam vinculados à
agricultura (cf. SI 126.5s.)? Acaso a chuva, que propiciava vida, e a
fertilidade do solo não vinham dos deuses do país, em especial do deus Baal? Em
última análise a exigência da fé israelita de adorar exclusivamente a Javé
permitia apenas wna única solução, que por certo só se impôs depois de
um período de tempo mais prolongado: Javé também é senhor das estações do ano
(Gn 2.5; 8.21 J; 1 Rs 17s.; Os 2 e outras). Nos santuários do país, como Betel
ou Silo, Israel deve ter conhecido as tradicionais festas agrárias do país (Jz
9.27; 21.19ss.; cf. Êx 23.14ss.).
O cântico de Débora (Jz 5)
celebra a vitória que uma coalizão de tribos obteve com o auxílio de Javé sobre
as cidades cananéias, na planície de Jezreel. De modo similar as tribos
diretamente atingidas por qualquer emergência se coligavam com outras da
circunvizinhança (cf. 7.23s.) para travar a "guerra de Javé",
sob a liderança de um "juiz" carismático - seja contra ataques de
vizinhos inimigos, como os amonitas (Jz 11; 1 Sm 11), seja contra a invasão de tribos
inimigas, como os midianitas (Jz 6s.; v. abaixo § llc2).
Como tribos distintas se
uniam no caso de uma guerra, tribos vizinhas também se encontravam em diversos
santuários de peregrinação para celebrarem cultos em conjunto (cf. Dt 33.19 a
respeito do 'Iàbor). Havia além disso um vínculo duradouro, de alguma forma
institucional, de todas as tribos? Havia, antes da formação do Estado, uma confederação
das doze tribos, uma assim chamada anfictionia (M. Noth), que, em
conjunto, prestava culto a Javé? Conforme textos mais antigos (Gn 29.31ss.; 49;
Dt 33), bem como textos mais recentes (p, ex. 1 Cr 2.1s.), as tribos são sempre
12;elas são personificadas nos 12filhos do patriarca Jacó-Israel e se
relacionam conforme seu respectivo ascendente matemo:
filhos de Lia: Rúben, Simeão,
Levi, Judá, Issacar e Zebulom;
filhos de Raquel: José
(Efraim, Manassés), Benjamim;
filhos das criadas: Dã e
Naftali [de Bila], Gade e Aser [de Zilpa].
Numa versão posteriorda
lista (Nm 1; 26) falta Levi; o número 12 é mantido, no entanto, pela subdivisão
de José em (seus filhos) Efraim e Manassés. Certamente o símbolo e a realidade
se confundem neste sistema de classificação -- mas o que constitui seu fundo
histórico? O número 12, significativamente constante e mantido por séculos
(apesar da troca dos elementos mencionados), dificilmente pode ter-se originado
no tempo da monarquia; pois a monarquia trouxe consigo a constituição de um
Estado nacional e, por fim, territorial que ultrapassava em muito a estrutura
tribal. Também a ordem hierárquica das tribos em épocas posteriores não
corresponde mais à realidade histórica; pois as tribos de Rúben, Simeão e Levi
(cf. Gn 34; 49.3-7) há muito haviam perdido sua importância ou até haviam
desaparecido. Assim, deve-se supor que os diversos agrupamentos de tribos nas
listas de 12 nomes espelham, ao menos em parte, uma pré-história diversificada
das confederações de tribos.
Especialmente o grupo dos
seis filhos de Lia parece ter um passado próprio;
talvez já fosse sedentário na Palestina
Central antes de os filhos de Raquel José e
Benjamim imigrarem do Egito, possivelmente
trazendo consigo a fé em Javé e introduzindo-a em Israel. Será que Js 24
conserva uma lembrança deste acontecimento? Como a lista com 12 nomes junta
tribos do Sul e do Norte, deve ter
havido certos elementos comuns entre todas as
tribos, talvez até uma organização
abrangente. Certamente é exagerado afirmar
que Judá, no Sul, e as tribos de Efraim e Manassés, com o centro religioso em
Siquém (cf. Gn 33.18-20; Js 24 e outras), tiveram uma história comum somente a
partir de Davi, pois decerto minimiza demais as relações já existentes na época
pré-estatal. Neste caso dificilmente se conseguiria explicar como a fé em Javé
conseguiu se impor também no Sul.
As tradições dos patriarcas
pressupõem relações bastante estreitas entre Berseba (Gn 26.23ss.) ou Hebrom
(Gn 18), no Sul, e Siquém (12.6 e outras), no Norte. Mas será que todas as
tradições dos livros de Josué e Juízes que abarcam o Sul (Js 7; 10; Jz 3.9 e
outras) só surgiram no tempo da monarquia? Mesmo a descrição de Jz 1 compreende
também a distribuição de propriedade em Judá. Talvez a lista dos assim chamados
"juízes menores" em Jz lO.1ss.; 12.8ss. até guarde recordações de um
cargo de jurisprudência sobre Israel (= tribos do Norte ou sua totalidade?). De
qualquer forma, a partir das diversas cidades-estados nas planícies e nas áreas
de colonização israelita nas montanhas formou-se gradativamente na Palestina um
organismo coeso, da mesma forma como ocorreu com os povos vizinhos de Israel:
os amonitas, moabitas e edomitas no Leste e Sudeste, como também os arameus no
Norte e Nordeste, que fundaram estados nacionais.
c) A
época da monarquia
Também na planície litorânea
meridional surgiu uma potência nova que logo se tornou uma ameaça para Israel
como um todo: os filisteus. Não eram semitas (por isto são chamados no
AT de "incircuncisos"); antes, chegaram à Palestina dentro do
movimento migratório dos povos do mar, por sua vez relacionado com a migração
dórica. Os filisteus acabaram formando cinco cidades-estados (Gaza, Ascalom,
Asdode, Ecron, Gate). E, enquanto que no período dos juízes os ataques de
tribos ou povos inimigos ficaram limitados no tempo e no espaço, a hegemonia
crescente (cf. Jz 3.31; 13-16) e finalmente duradoura (1 Sm 4ss.; 10.5) dos
filisteus, com seu superior armamento de ferro (cf. 13.19s.; 17.7), obrigou
todo o Israel a agir em conjunto sob uma liderança permanente, Assim, por volta
de 1000 a.c., a monarquia foi instituída por pressão da política
externa, surgindo, assim, um Estado (l Sm 8-12; cf. § llc3).
1. A
época comum dos dois reinos
O reinado de Saulobteve sucessos
iniciais (1 Sm 11; 13ss.), mas acabou tendo um final catastrófico (l Sm 28; 31)
e durou pouco. Fracassou ante a ameaça dos filisteus, que só Davi conseguiu
conjurar de forma definitiva. Mais uma vez se coloca a pergunta pela ligação
entre o Norte e o Sul. Compreendia o reino de Saul - bem como o de seu filho
Is-Bosete, que regeu por um curto período transitório após a morte de Saul (2
Sm 2.9s.) - só o que se chamou mais tarde de Reino do Norte, sem Judá? De
qualquer modo, o poder de Sau1 se estendia também para o Sul. Davi, da família
de Jessé, de Belém em Judá, foi levado para a corte de Saul em Gibeá, ao norte
de Jerusalém (1 Sm 16.14ss.; cf. 22.6), e Saul perseguiu Davi, que se havia
cercado de um bando de mercenários, até o Sul, porque Davi tinha mais sucesso
que ele (1 Sm 22ss.), o que o deixava invejoso.
Depois de um curto
interregno, Davi se tomou rei - primeiro em Hebrom sobre a casa de Judá
(2 Sm 2.1-4), mais tarde, através de um acordo, também sobre as tribos
setentrionais (5.1-3). A investidura no cargo acontecia mediante unção, que os
representantes do povo (2.4; 5.3), ocasionalmente também o profeta, efetuavam
em nome de Deus (2 Rs 9; cf. 1 Sm 10.1; 16.13). Assim o rei é o
"ungido" de Javé (mashiah, "messias": 2 Sm 23.1s.;
SI 2.2; 20.6 e outras), tomando-se, pois, intocável (l Sm 24.7,11). Ademais é
considerado filho de Deus, mesmo que por adoção (SI 2.7; 89.27s.; 2 Sm 7.14). A
ele cabe governar o mundo (SI 2; 110), e sua "justiça" se estende
para além do âmbito social, inclusive para dentro da natureza (SI 72).
Davi unificou em sua pessoa
não apenas tribos do Sul e do Norte, mas também integrou em Israel as cidades-estados
cananéias ainda independentes. Além disso, com seu exército permanente subjugou
em graus variados os povos vizinhos, como os filisteus no Oeste, os amonitas,
moabitas e edomitas no Leste, e até os arameus no Norte (2 Sm 8; 12.30), de
modo que conseguiu formar no âmbito sírio-palestinense um grande reino, para o
qual ele e seu sucessor também providenciaram a organização necessária (§ 3c).
Dentro desta expansão de
poder um passo foi de suma importância para o período subseqüente e também para
a fé de Israel: Davi mandou seus mercenários
conquistar a cidade cananéia, mais
precisamente jebusita, de Jerusalém, que se localizava como que em
território neutro entre o Reino do Norte e o do Sul. Elevou a cidade à
categoria de residência (2 Sm 5.6ss.) e ao mesmo tempo com o translado da arca
(2 Sm 6) - transformou-a no centro cúltico da fé em Javé.
Por meio de intrigas na
corte e da decisão autoritativa de Davi, Salomão tomou-se sucessor no
trono (l Rs 1). Erigiu um templo na capital (1 Rs 6-8). Para tanto se beneficiou
de suas relações comerciais internacionais (9.11,26ss.; 10), que propiciaram um
tempo de paz e provavelmente também criaram as condições necessárias para a
"sabedoria" de Salomão (3; 5.9ss.; v. abaixo § 27,1). O templo, que
mantinha uma relação estreita com o palácio real, obteve a dignidade de
santuário real (cf. Am 7.13), onde atuavam sacerdotes considerados funcionários
públicos (l Rs 4.2). A nova crença de que Javé habita no templo (8.12s.) ou no
monte Sião (Is 8.18; SI 46; 48; v. abaixo § 25.4s.) não reprimiu exageradamente
as lembranças do tempo de vida nômade? Ao lado dos outros santuários do país,
Jerusalém parece ter sido o lugar onde concepções de outras religiões - p. ex.,
do monte de Deus (SI 48.3 [48.2]), da corte divina (29; 89.6ss. [89.5ss.]), da
realeza de Deus (47; 93ss.; Is 6), da luta contra o dragão (SI 77.17ss.
[77.16ss.]), mas também da criação do mundo (8; 24.2; 104 e outras) - se
infiltraram no javismo e foram remodeladas para configurar enunciados da
própria fé.
2, A
épeca dos reinos separados, especialmente do Reino do Norte, Israel
Já durante o reinado de
Salomão, o grande reino criado por Davi começou a ruir nas suas bordas (1 Rs
l1.14ss.; 23ss..), soçobrando depois da sua morte. A antiga oposição entre o
Norte e o Sul, fomentada por levantes já durante a vida de Davi e Salomão sob o
lema: "Que parte temos nós com Davi?" (2 Sm 20.1; 1 Rs 12.16; cf.
l1.26ss.), irrompeu de novo e definitivamente por ocasião da assim chamada divisão
do reino (926 a.Ci; 1 Rs 12). Ainda dois séculos mais tarde esta divisão
foi entendida pelo profeta Isaías (7.17) como dia do juízo.
Judá no Sul, cem a capital
Jerusalém, e Israel no Norte mantiveram daí em
diante sua respectiva autonomia política. Quanto
ao tempo de reinado de Davi e Salomão só se sabe que, em números arredondados,
cada qual governou por 40 anos (l Rs 2.11; 11.42). Só com a assim chamada
divisão do reino começa uma cronologia relativamente exata, dentro da qual ocorrem
apenas pequenas variações numéricas, já que, por um lado, a partir de então se comparam,
no livro dos Reis, a duração dos reinados dos governantes do Reino do Norte com
a duração dos reinados dos governantes do Reino do Sul (§ llc4) e, por outro
lado, a história de Israel imerge mais na história contemporânea vétero-oriental
por nós conhecida (l Rs 14.25s.; 2 Rs 3 e outras).
Além do 1~;aiS, com o
surgimento da monarquia começam a aparecer as fontes escritas: primeiro, as
histórias da ascensão e da sucessão de Davi no trono (§ llc3), depois as
"crônicas" oficiais dos reis (l Rs 11.41; 14.19 e outras). Sobretudo
parece ter surgido na época de Salomão a fonte javista e, um a um e meio século
depois, a fonte eloísta do Pentateuco.
A dinastia de Davi governou
inconteste por mais de três séculos no Reino
do Sul, continuando sua residência a ser
naturalmente Jerusalém, onde se localizava o santuário real. O Reino do
Norte carecia de centros cultuais correspondentes; por isso parece menos
consolidado. A capital mudava: Siquém, Pcnuel (1 Rs 12.25), por mais tempo
Tirza (14.17; 15.21,33 e outras), por fim e defmitivamente Samaria, uma
colina antes desabitada, que Onri comprou por volta de 880 a.c. (16.24; cf. 2
Sm 24.21ss.). Desta forma a nova residência se tomou propriedade do rei, assim
como acontecera com Jerusalém.
Embora também no Reino do
Norte se tentassem estabelecer dinastias como
que naturalmente (l Rs 15.25; 16.8,29 e
outras; já 2 Sm 2.8s.), estas eram interrompidas mais cedo ou mais tarde,
derrubadas por insurreições violentas (l Rs 15.27; 16.9 e outras). Ocasionalmente
o movimento profético parece ter desencadeado a subversão, designando o
novo governante (p. ex., a revolução de Jeú, 2 Rs 9s.; cf. a apresentação
esquematizada em 1 Rs 11.29ss.; 14.14 e outras). Em todo caso, a monarquia
encontrava severos críticos entre os profetas.
Entre os regentes do Reino
do Norte vários se destacam: o primeiro governante Jeroboão I (926-907) parece
ter emancipado Israel em termos cúlticos, elevando Betel e Dã à condição de
santuários do reino (1 Rs 12.26ss.; cf. Am 7.10,13). Onri (razão pela qual os
assírios puderam chamar o Reino do Norte de "casa de 000") e seu
filho Acabe (por volta de 880-850) promoveram o sincretismo, para possibilitar
a integração da população cananéia. A tolerância e até o apoio dado à religião
de Baal (l Rs l6.3ls.) provocaram a oposição dos profetas, especialmente de Elias
(v. abaixo § 13d).
Jeú (845-818) chegou ao
poder mediante uma revolução apoiada por grupos fiéis a Javé. Embora combatesse
as tendências sincretistas da corte (2 Rs 9s.), é mais tarde repudiado pelo
profetas Oséias, por causa das matanças que promoveu (1.4:,,). Jeú fundou a
dinastia real mais duradoura, que, no entanto, mal governou um SéCUlO. Dela faz
parte Jeroboão TI (787-747), durante cujo reinado parece ter ocorrido mais uma época
áurea (2 Rs l4.25ss.). No último quartel de século os usurpadores se sucederam rapidamente
(entre eles Menaém, Pecaías, Peca), até a derrocada final do Reino do Norte
durante o reinado de Oséias em 722 a.c. (2 Rs 17).
Na política interna o
desenvolvimento deste Estado foi determinado pelo grande contingente
populacional cananeu, que tinha concepções políticas, jurídicas,
sociais e religiosas próprias. Na política
externa importava, num primeiro momento, definir limites territoriais claros
com Judá no Sul. Entre ambos os estados-irmãos só temporariamente houve um
relacionamento amistoso; repetidas vezes houve escaramuças na fronteira, na
disputa pela região benjaminita ao norte de Jerusalém (1 Rs 14.30; 15.16ss.; 2
Rs 14.8ss.).
Um adversário muito mais
perigoso e implacável, porém, se levantou no Norte. Já no tempo de Salomão o Estado
arameu de Damasco alcançou sua independência (1 Rs 11.23s.), logo
envolvendo Israel em combates fronteiriços (15.20) e, durante a segunda metade
do século IX, em pesadas guerras (20; 22; 2 Rs 6s.; 8.12; 13; Aro 1.3s. e
outras). Sossego Israel apenas encontrou quando os assírios enfraqueceram o
poder de Damasco, mas não interferiram, por algumas décadas (ca. 800-750), no
cenário sírio-palestinense, de sorte que Israel conseguiu recuperar áreas
perdidas (2 Rs 13.25; 14.25,28). Mas já no [mal desta mesma época (a partir de
760 mais ou menos) os profetas Amós, Oséias e Isaías prenunciavam o
"fim" de Israel.
Já no século IX os assírios
haviam reclamado a posse da Síria (854/3, batalha em Carcar, junto ao rio
Orontes, contra uma coalizão de pequenos estados, inclusive Israel), mas só a
partir de 740 a.c. esta potência militar, tão ameaçadora para Israel e
famigerada por sua truculência (cf. Is 5.26-29; Na 2), avançou em direção ao
Sul. A sujeição do Reino do Norte aconteceu em três etapas, características
para a política expansionista assíria: cada etapa superava a anterior em termos
de brutalidade:
1. Pagamento de tributo por Menaém em 738
a.c. (2 Rs 15.19s.).
2. Redução do Estado: em 733/2 a.C. a região
setentrional de Israel foi
desmembrada e transformada em três
províncias: Dor, Megido, Gileade (2 Rs
15.29); também foi instalado um governante
títere, subserviente a Assur (Oséias).
3. Incorporação do Estado mutilado restante
(Efraim) no sistema provincial assírio e conseqüente supressão do último
resquício de autonomia política, deportação da classe alta autóctone e
instalação de uma elite estrangeira (722 a.C; 2 Rs 17).
Assim, as tentativas dos
estados pequenos de se livrarem da vassalagem apenas os afundavam em uma
dependência cada vez maior, levando-os ao segundo e, depois, ao terceiro
estágio. Neste contexto se insere a assim chamada Guerra Siro-Efraimita (por
volta de 733 a.C.), que Damasco (Síria) sob Rezim e Israel (com o centro em
Efraim) sob Peca, o "filho de Remalias"(Is 7.2,9), travaram contra o
Reino do Sul, Judá, para forçá-lo a integrar uma coalizão antiassíria e
derrubar o davidida Acaz, que se opunha a tal intento (2 Rs 16.5; Is 7) - sem,
no entanto, obterem sucesso. Os assírios invadiram Israel, que acabou no
segundo estágio de dependência, e pouco tempo depois destruíram Damasco (2 Rs
16.9). Judá escapou, mas teve que sujeitar-se a pagar pesados tributos,
tomando-se vassalo assírio (16.8,lOss.).
No ano de 722 a.C; depois de
três anos de cerco, caiu Samaria - o que significou o fim da história do Reino
do Norte, do antigo núcleo territorial da fé em Javé! As tradições do Norte de
Israel (como a mensagem de Oséias, provavelmente também o relato do Eloísta e
talvez uma forma primitiva do Deuteronômio) migraram para o Reino do Sul, que
adotou o nome de "Israel". Aí se situa agora o centro gravitacional
também para as futuras criações literárias. Visto que os assírios - ao
contrário do que fizeram os babilônios apenas um século e meio depois -
dispersaram a elite deportada (2 Rs 17.6), perdem-se seus rastros. Da população
que ficou no país, misturada com estrangeiros reassentados à força (17.24; cf.
Ed 4.2), surgiram mais tarde os samaritanos.
3. A
época do Reino do Sul, Judá
Os reis assírios
determinaram por cerca de um século primeiramente a
história de ambos os reinos, depois a do
Reino do Sul apenas:
Tiglate-Pileser (III) 745-727 sob o nome
babilônico de PuI
Salmaneser (V) 726-722
Sargom (lI) 721-705
Senaqueribe 704-681
Asaradon
Assurbanipal
30
680-669
668-631(?)
2 Rs 15.29;
16.7,10
2 Rs 15.19
2 Rs 17.3; 18.9
Is 20.1
2 Rs 18.13; 19.20,36
= Is 36.1; 37.21,37
2 Rs 19.37 = Is 37.38
Mesmo que a sorte dos povos
subjugados pudesse servir de alerta para os outros pequenos estados, irrompiam
constantemente rebeliões como o levante de 713-711 a.C., que irradiou-se da
cidade filistéia de Asdode, contagiando também aJudá (Is 20). Nas tentativas de
libertar-se da hegemonia assíria procurou-se garantir a ajuda do Egito, onde
reinava a dinastia etíope (Is 18) sob o faraó Sabaca. Este arranjo político
triangular - a grande potência de Assur, o Egito e os pequenos estados,
inclusive Judá - é pressuposto nas palavras da época tardia de Isaías, nas
quais o profeta ameaça com a derrota do Egito e de seus protegidos
(especialmente Is 30.1-3; 31.1-3).
Depois que Senaqueribe
ascendeu ao trono, o rei Ezequias até liderou uma
conspiração. (A partir deste contexto, a
libertação da dependência assíria, poderse-ia explicar também a reforma do
culto [2 Rs 18.4]). Os assírios reagiram no ano de 701 aC., ocupando o país e
sitiando Jerusalém. Mas, por motivos que não podemos mais decifrar por
inteiro, Senaqueribe desistiu de conquistar a cidade e se satisfez em cobrar um
tributo e restaurar a relação de vassalagem (2 Rs 18.13-16; cf. SI 46.6?
[46.5?]). Em meio ao júbilo geral, Isaías convocou o povo a manifestar seu luto
(22.1-14). Judá parece, embora só por tempo limitado, ter sido separado da
capital e repartido entre estados filisteus leais aos assírios (conforme o
relato de Senaqueribe; cf. Is 1.4-8).
Embora os assírios
conseguissem subjugar até o Egito por volta de 670 (cf. Na 3.8), seu poder foi
lentamente corroído após 650 a.c.. Nas décadas turbulentas que se seguiram,
passou a atuar, ao lado de Naum, Habacuque e Sofonias, o profeta Jeremias. Depois
do longo reinado de Manassés, vassalo da Assíria, Josias (639-609 a.C)
conseguiu reconquistar a autonomia política, inclusive resgatar parte do antigo
Reino do Norte, durante o declínio da hegemonia assíria. Este curto período de
liberdade possibilitou a reforma em que se introduziu o Deuteronômio ou
sua forma primitiva, como uma espécie de lei estatal, depurou-se o culto,
excluindo elementos alienígenas e proclamou-se Jerusalém santuário exclusivo em
Israel (622 a.Cc; 2 Rs 22s.). Mesmo que esta reforma seja de importância
decisiva para a compreensão de amplas partes do AT, sua historicidade é objeto
de controvérsia (v. abaixo § lOa,5).
Nos anos de 614-612 Assur e
Nínive sucumbiram diante dos ataques conjuntos dos medos (ao redor de Ecbátana
no Noroeste do Irã) e dos caldeus ou neobabilônios (que empreenderam uma
restauração do império vetero babiIônico
sob o culto de Marduque). O faraó Neco tentou
evitar a queda do império assírio. Foi durante esta campanha que o rei Josias
(609 a.C.) perdeu sua vida em Meguido, e seu sucessor Jeoacaz foi banido pouco
tempo depois para o Egito (2 Rs 23,29ss.; 2 Cr 35.20ss.; Jr 22.lOss.). Mas Nabucodonosor
derrotou o exército egípcio (em Cárquemis junto ao rio Eufrates, 605 a.C) e
assim conquistou a Síria/Palestina para a Babilônia.
Quando um filho de Josias, Jeoaquim
(608-598), ousou suspender o pagamento de tributos, Nabucodonosor mandou
sitiar Jerusalém. Neste meio tempo morreu Jeoaquim. Seu filho e sucessor Joaquim
só conseguiu governar por alguns meses e, por ocasião da primeira
conquista de Jerusalém, em 597 a.c., teve de seguir para o exílio,
acompanhado pela família real, classe alta e por artesãos (2 Rs 24.8ss.) -
entre eles, o profeta Ezequiel. Mesmo assim parece que Joaquim em certos
círculos continuou sendo considerado rei legítimo (cf. a datação em Ez 1.2);
mas as esperanças que se associavam à sua pessoa, não se concretizaram (Jr
22.24ss.).
Porém a última notícia que a
Obra Historiográfica Deuteronomística nos dá a respeito de Joaquim (2 Rs
25.27ss.) é a de que foi indultado. Nabucodonosor tratou Jerusalém com
clemência e instalou como regente um novo davidida, Zedequias (597-587
a.c.; 2 Rs 24.17). Mas Zedequias avaliou erroneamene a situação política e
denunciou de novo a vassalagem, desconsiderando os alertas de Jeremias. Por
isto Jerusalém foi sitiada pela segunda vez e ocupada em 587 (ou
586?) a.c. Só então os babilônios tomaram medidas drásticas, sim, até cruéis (2
Rs 25).
o acontecimento significou uma ruptura
profunda em quatro sentidos:
- houve a perda definitiva da autonomia
política (até o tempo dos macabeus);
Judá tomou-se província babilônica, depois
persa;
- terminou a monarquia davídica (apesar da
predição de Natã em 2 Sm 7);
- foram destruídos o templo, o palácio e a
cidade (apesar da tradição de Sião em SI 46; 48);
- foi expulsa da terra prometida, deportada a
elite restante (juntamente com os utensílios do templo).
Com isto tinham se cumprido as previsões
proféticas de desgraça; porém a história do povo de Deus seguiu o seu curso.
d) A época exílica/pós-exílica
Ao contrário do costume assírio, os
babilônios não instalaram uma elite estrangeira na Palestina, de modo que no
Reino do Sul também não penetraram cultos religiosos alienígenas, ao contrário
do que ocorrera no Reino do Norte apenas um século e meio antes (2 Rs
17.24ss.). Além do mais, os babilônios permitiram que a população deportada
vivesse junto (cf. Ez 3.15). Os exilados podiam construir casas, cultivar
jardins (Jr 29.5s.) e, ao que parece, eram representados pelos
"anciãos" (Ez 20.1 e outras). Apesar das várias deportações, a
maioria da população provavelmente permaneceu na Palestina (cf. 2 Rs 25.12). Em
todo caso, Israel (isto é, os judaítas) ou, como também podemos afirmar depois
desta ruptura, o judaísmo existia em dois meios: na Palestina e na gola
(no exílio), ou seja, na diáspora.
Comunidades na diáspora
surgiram não apenas na Babilônia, mas por várias razões também no Egito. Depois
da destruição de Jerusalém os babilônios instalaram o judaíta Gedalias como
governador sobre os israelitas não exilados (com sede em Mispa); após seu
assassinato, um grupo de judaítas fugiu para o Egito (2 Rs 25.22ss.; Jr 40ss.).
As múltiplas perdas externas trouxeram um ganho interno, na medida em que o
tempo do exílio tornou-se uma época extremamente fecunda em termos literários:
as Lamentações (como também SI 44; 74; 79; 89.38ss.; Is 63.7ss. e outras)
deploravam a situação vigente no país.
Ali atuava a escola
deuteronomística que concebeu a Obra Historiográfica Deuteronomística como uma
espécie de confissão de culpa. Além disso também transmitiu e retrabalhou a tradição
dos profetas, principalmente a de Jeremias. Em contrapartida é mais provável
que o Escrito Sacerdotal tenha surgido no exílio, onde também atuaram os
profetas Ezequiel e Dêutero-Isaías (Is 40-55).
Enquanto que até então os
centros de poder do Antigo Oriente se localizavam
no Egito e na Mesopotâmia, a partir de mais
ou menos 550 a.c. o domínio mundial passou a ser exercido por outras potências
que, vindas de fora, invadiram o espaço do Antigo Oriente: por dois séculos o
domínio passou às mãos dos persas. O último governante babilônico,
Nabônides, que, ao contrário dos sacerdotes de Marduque da Babilônia,
incentivava o culto do deus da lua.Sin (em Harã), residiu por dez anos na
cidade-oásis de Tema no deserto do Norte da Arábia, transferindo os negócios de
governo ao seu filho Belsazar. Em Dn 5, num relato em forma de saga, Belsazar é
considerado o último rei da Babilônia antes do domínio dos persas.
A ascensão fulgurante do
persa Ciro (559-530) sucedeu em três etapas: o estabelecimento de um
grande império medo-persa (tendo Ecbátana por capital), a subjugação da Ásia
Menor pela vitória sobre o rei da Lídia, Creso, e a entrada na Babilônia (539
a.C). O segundo acontecimento parece se refletir na mensagem do profeta do
exílio Dêutero-Isaías (v. abaixo § 21,1). Os primeiros reis persas respeitavam
as tradições dos povos subjugados e incentivavam os cultos autóctones. Condiz
bem com esta atitude que já depois de um ano (538) Ciro teria ordenado que o
templo em Jerusalém fosse reconstruído e que os utensílios do templo, levados
para a Babilônia, fossem devolvidos.
O edito foi conservado em Ed
6.3-5 (v. abaixo § 12b) em aramaico, que se tornou a língua oficial da
parte ocidental do império persa e suprimiu mais e mais o hebraico como língua
popular. O retorno só aconteceu paulatinamente e em sucessivas levas (segundo
Ed 2, sob Zorobabel, segundo 7.12ss., sob Esdras; cf. 4.12). Muitos ficaram no exterior,
onde sua situação econômica era próspera. A reconstrução do templo ocorreu
apenas de 520 a 515 a.C., por insistência dos profetas Ageu e Zacarias (v. abaixo
§ 22).
No tempo de Ciro destacou-se
Sesbazar, que foi encarregado de entregar os
utensílios do templo e, pelo que consta,
também colocou a pedra fundamental do santuário (Ed 5.14ss.; 1.7ss.). Era
funcionário persa assim como Zorobabel, neto do rei Joaquim (banido em 597
a.C.), que atuou um pouco mais tarde. Em Zorobabel se
depositaram mais uma vez esperanças
messiânicas (Ag 2.23; Zc 6.9ss.), que, no entanto, não se cumpriram. Os séculos
V e IV são uma época relativamente desconhecida, em que se destacam apenas
alguns poucos acontecimentos isolados. Por volta de 450 a.C.
Esdras e Neemias cuidaram -
o primeiro preocupado com o cumprimento rigoroso da lei e o segundo, com a
construção do muro ao redor de Jerusalém - para que houvesse a consolidação
interna, embora o preço fosse um isolamento rígido (v. mais detalhes abaixo, §
12b). Provavelmente foi mais ou menos no mesmo período que atuou também o
profeta Malaquias (v. abaixo § 22,4). Depois de dois séculos de hegemonia persa
(539-333 a.C), Alexandre Magno inaugurou com a vitória de Isso (333) a
era helenística. E após a morte de Alexandre (323), nas disputas dos
diádocos, a Palestina foi submetida por um século ao domínio do reino (egípcio)
dos ptolomeus (301-198), para depois ser integrada ao reino dos selêucidas
(198-64 a.C).
Um fato marcante foi,
após a ascensão ao trono do selêucida Antíoco IV Epífanes, a rebelião dos macabeus
em repúdio a cultos estranhos. Um pouco antes da reinauguração do templo em
164 a.C. surgiu o livro de Daniel (§ 24). No ano de 64 a.C, a Palestina caiu
sob o domínio romano. No ano de 70 d.C. Jerusalém e o templo foram destruídos
pela segunda vez, e, depois do levante de Sirneão-Bar Cochba em 132-135 d. C,
nenhum judeu podia mais entrar na cidade, agora denominada Aelia Capitolina.